Dia de chuva, cinzento lá fora. Dia complicado, cheio de afazeres, tempo apenas para ver o correio assim de fugida e pouco mais. É Daniel de Sá que me envia uma nota: «Tentando compensar a Leonor, envio este poema de Inácio de Sousa, um obscuro militar português que morreu durante a campanha da Rússia de Napoleão. Já estava doente (de tifo ou disenteria) quando o escreveu para a namorada.» Uma nota de quinhentos, portanto. Quinhentos mil.
Em baixo: "500 000 soldados"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
Morrendo cem mil vezes cada dia,
Na vida menos já esperançados
Que na morte, que Deus não abrevia.
Por estes campos, onde tudo é triste,
E todos os destinos desgraçados,
Feliz de ti, meu anjo, que não viste,
E não verás quinhentos mil soldados.
Não só tiros e espadas cá se temem,
Que em menos sangue é mor a agonia.
Cem mil vezes padecem, cem mil gemem,
Morrendo cem mil vezes cada dia.
Não ouvirás as queixas vergonhosas
De tantos mil valentes humilhados,
Que procuravam famas gloriosas,
Na vida já tão pouco esperançados.
Não me verás, meu anjo, não verás,
Mesquinho e triste neste último dia,
Já não esp’rando em ti encontrar paz,
Mas na morte que Deus não abrevia.
2 comentários:
A palavra "mil" é uma palavra que sai do coração, de onde saem os mais sentidos poemas e, por isso, os mais belos poemas. Aqui, essa palavra, deu coração à morte.
lenor
E será na morte, amor
que estaremos na paz, em paz
pq tb eu padeço de ti: falta pouco
deus e o anjo verás.
:-)
Enviar um comentário