Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Daniel de Sá

A primeira vez que olhei para o Daniel foi quando fomos apresentados por um amigo comum, ao tempo vizinho dos dois, na Lombinha da Maia, S.Miguel, Açores. Fiquei a saber que tinha óculos pretos e cabelos brancos, que era educado, escritor, poeta e boa gente. Mas a primeira vez que o vi foi tempos depois, horas quase mortas, no dia da maior procissão da freguesia, que passa sobre tapetes de flores colocadas no chão em desenhos de amor feitos pelas mãos de todos. Eu e ele lá andámos dobrados a desenhar flores mil, rabo apontado ao céu da Maia e coração mais leve que alguma vez me lembro ter tido, falando por mim. No fim da festa e antes da noite cada morador limpou o espaço de rua fronteiro à sua casa, como de costume, ano após ano. À hora que o vi, toda a gente se tinha já recolhido do frio e do chuvisco forte que caía. Eu corria para casa. Ele não. Com a mesma calma das suas manhãs de conversa no mirante da praia do porto, Daniel era o único que arrastava os grandes sacos pretos cheios das flores pisadas de cada vizinho para um monte comum. Sempre ficava a rua mais arrumada. Ele e uma senhora de preto, cada um curvado ao seu. Disse-me adeus como quem pede desculpa e eu acenei-lhe na volta um sorriso. Mas sem que ele soubesse, dizia-lhe olá cá dentro até hoje. Que querem? Eu sou como sou e ele, como é, todos os dias me confirma o acerto do palpite. É o que vos posso dizer do meu amigo Daniel.

Do escritor Daniel de Sá não me atrevo a falar. Falta-me a competência para tanto e sou escasso em conhecimento de tão vasto universo. O que sei e conheço deslumbra-me, mas são gostos. O que dele dizem e escrevem é o melhor, mas são palavras. O que ele quer que se saiba que é está aqui, dito pelo próprio, mais a lista de obras publicadas (por actualizar, sempre). Daniel de Sá é ainda colaborador residente do Aspirina B, onde já disfruta da melhor companhia que algum dia encontrará na blogosfera. Mas, inesgotável e generoso, entendeu que fosse Natal cá na casa e publica hoje a convite aquela que espero seja a primeira gota de um mar de palavras futuras. E isto é o que ele é.

Eu cá estou que nem posso, como imaginam. Mas entendi que não se estraga uma coisa destas com lamechices. Por isso me calo já.


Em baixo: "O Protesto do Burrinho".
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá.

11 comentários:

Anónimo disse...

Acho um casamento quase perfeito a escrita do Rui e do senhor Daniel de Sá num mesmo bloge. Já lia os 2 no Aspirina B e acho muita graça aos dialogos nos comentários quero adr os meus cumprimentos aos 2

Sabina disse...

O que é que uma simples humana pode dizer?
Tira o chapéu e sai de fininho...

Beijos

Anónimo disse...

Fiquei curiosa em conhecer o Daniel escritor!!! e também gostava de ter amigos que dissessem coisas bonitas destas assim de mim......Gosto cada vez mais de visitar o Setevidas só tenho pena que não vá mais vezes à minha "casa".....

beijos

Anónimo disse...

Rui, estás a ver no que me pões? Nem sequer faço ideia de quem seja esta gente tão simpática, e já estou devedor a mais três belíssimos seres humanso (sem dúvida que o são) por me mimarem como se fossem velhos amigos.
À minha maneira, pois, direi apenas: Deus vos pague.

Anónimo disse...

Se eu ainda for a tempo de entrar na conta dos humanos, e dos velhos amigos, ainda que desconhecidos (nunca vi, nunca olhei, nunca vislumbrei sequer o Daniel), bom, se ainda for a tempo, aqui fica o meu pasmo, não pela escrita do Daniel, mas pela humana perícia em criar mundos.

Abraço a ambos.

samuel disse...

Agora é a altura de tirar o chapéu ao texto do Rui e dar as boas vindas ao Daniel de Sá, a sério, sem as "palhaçadas" do comentário ao post sobre a Benazir.
Bem-vindo, Daniel!
O prazer de ler este blog, agora a dobrar, é uma bela prenda...

Anónimo disse...

Apaixonei-me, irremediavelmente, pelo escritor Daniel de Sá depois de ler "O Pastor das Casas Mortas." Comoveu-me o que li; identifiquei, em Manuel Cordovão, o homem íntegro, sensível e de grande consciência moral e cívica que é Daniel de Sá.
Daniel é um homem que fala, como ninguém, dos afectos, numa escrita límpida, fresca e simples. os seus livros aquecem-nos o coração e enchem-nos a alma.

Rui Vasco Neto disse...

carlos,
O casamento está fora de questão, por enquanto. Não que não lhe aprecie a escrita, mas sei pouco sobre o seu dormir. E depois? E se ele ressona? Ná! Amancebados sempre, casamento não me parece.

saci,
Humanos somos todos. Um beijo pela chapelada.

maria,
A sua queixa não tem razão de ser. Por vezes não deixo comentário, é certo, mas vou lá mais do que pensa..

daniel,
Não vejo razão para tanto, de facto. Só podem ser por favor, os elogios. Ou por estares a entrar na idade dos mimos, quem sabe..

benâncio,
Vens sempre a tempo. Sempre. Hoje não é excepção. Que seria do nosso mundo sem os que são capazes de criar mundos? Sem gente como o Daniel ou como tu? Uma chatice, provavelmente.

sam,
Pois. É jingóbéu a 100%.
Há anos que o Natal não me trazia uma surpresa, acreditas?

Rui Vasco Neto disse...

apaixonónimo,
assino em baixo. de cada palavra (embora não tenha lido 'o pastor das casas mortas', falha que tenciono corrigir em breve).

Teresa disse...

As placas tremeram, os mares abriram-se, a ilha deixou de ser ilha e apareceu um arquipélago novo. Saiu direitinho de um dos grandes sacos pretos cheios de sete vidas pisadas.
Podem ter sido burrinhos que se partiram,vizinhos que se reencontraram,escritas que se enamoraram, mas parece-me que um coração de gato tornou a ficar mais leve com este desenho de amor feito conto por mágicas mãos da Maia.

Anónimo disse...

Está bem, e agora que é que eu faço, Rui? Se digno "não sou digno", desconsidero quem por aqui deixou tanta simpatia; se dou a impressão de que penso merecer tudo isso, parecerei vaidoso.
Fique apenas a afirmação de que estou muito agradecido a vocês todos.