Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Vidago, mas vi mal.

A família de Manuel Correia chega num vendaval de emoção ao IPO do Porto. O caso não era para menos, que o seu Manuel estava por lá na morgue, cadáver, a aguardar nada mas ali. Descem ao frio e pedem o seu morto, "é este?", terá perguntado o funcionário das gavetas, "é sim senhor", terá respondido a família a meio do desvio de olhos de quem tenta em vão escapar à verdade suprema da Vida. 'Siga, então!', terá sido o veredicto do entregador de corpos. E seguiu mesmo, foi para Vidago, onde já estava até a ser velado e chorado quando finalmente disseram àqueles vivos que aquele morto também estava morto, sim senhor, mas não era o morto que lhes tinha morrido, tenham paciência, desculpem e muito obrigado. E desculpas ao falecido, evidentemente, para a próxima vez correrá tudo melhor, muito obrigado e desculpe.

Com a família de Manuel Correia ainda a derramar lágrimas em Vidago no corpo presente do seu morto ausente, a família de Joaquim Moreira vai procurá-lo defunto ao mesmo IPO de onde saira Manuel Correia a caminho de Vidago. Conhece o mesmo funcionário generoso nos congelados, mas é mais atenta no enfrentar da morte cara a cara. E encontra quem, o seu Joaquim? Claro que não, conhece Manuel, o mesmo por quem os sinos dobram em Vidago. E pronto, lá vem o IPO dizer àqueles vivos que aquele morto também estava morto, sim, mas não era o morto que lhes tinha morrido, tenham paciência, desculpem e muito obrigado. E desculpas ao falecido, evidentemente, para a próxima vez correrá tudo melhor, muito obrigado e desculpe.

Confrontado com esta sua interpretação sui generis de eterno descanso, o IPO já mandou dizer que o funcionário terá sido culpado e que foi já transferido de funções. Que foi uma chatice, sim, sabem, coisas que acontecem a quem está vivo. Mas não deixa de apontar o dedo aos familiares de Manuel Correia, a quem o IPO atribui a culpa maior nesta situação, por terem sido demasiado emotivos. E por não terem sabido escolher o morto certo no self service da sua morgue. Tudo isto esta noite, no Jornal Nacional.

Rebeldias anais

Publica o Juventud Rebelde, diario de la juventud cubana, na sua edição de ontem, um extensíssimo artigo sobre sexo anal, o 'outro camino al placer'. Nele se explica detalhadamente como evitar 'la contracción de los músculos anales, que se comportan como si estuviesen combatiendo una invasión', nele se compreende o 'temor que generan tales prácticas y hace que el ano se tense automáticamente' e nele se ressalva até um inegável direito de escolha: 'Es lógico entonces que la pareja pasiva opte por decir «no»'. Está tudo bem explicadinho por lá, confiram e verão. E não foi escrito por Reinaldo Arenas.

Achei curioso, confesso. Não sei porquê tinha uma ideia errada dos cubanos. É que era capaz de jurar que quase cinquenta anos a levar com Fidel era profilaxia mais que suficiente para se aprender a levar no cu.

Vá para fora cá dentro



















Mais um gamanço descarado ao mano L, mas este, desde a última remodelação deste governo, é um roubo duplo. Assim, a pena deve ser a mesma, se a houver. E, a acreditar em Marinho Pinto, tenho boas chances de escapar ao castigo. Seja como for está feito e aqui fica. É o mais recente brilharete de Pedro Vieira, estreado
aqui, provavelmente a publicar aqui e, sobretudo, publicado agora aqui.

Falta de óleo

O esquema de corrupção nas inspecções automóveis desmontado pela PJ tem os pormenores de um clássico do crime organizado. Não sei se pelas importâncias em jogo (quem poderá dizer quanto, ao certo?) mas seguramente pelas técnicas usadas para manter alta a maré do sacanço à nota do incauto. A Polícia Judiciária fez ontem uma rusga ao Centro de Inspecção de Veículos (CIMA) de Oeiras, numa operação da qual resultou a constituição de 15 arguidos, dez dos quais inspectores daquele centro, tendo ainda sido sinalizadas um total de 30 oficinas e residências naquela zona. A operação, noticiada hoje pelo DN, insere-se no âmbito do combate à corrupção e foi uma acção conjunta entre a Direcção Central de Investigação de Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira da PJ e do Instituto de Mobilidade dos Transportes Terrestres (IMTT). Os arguidos são suspeitos do crime de corrupção passiva e acto ilícito.

A inspecção resultou de uma denúncia, ontem confirmada, in loco, pelos agentes da PJ e técnicos do IMTT, que naquele centro uma rede de técnicos fazia passar veículos, sem condições legais de circulação, a troco de dinheiro. O esquema abrangia tanto veículos propriedade de empresas como de particulares. Algum tempo após a chegada da equipa da PJ, os portões do Centro foram encerrados, continuando apenas a realizar-se a inspecção dos automóveis que já se encontravam em análise. À fiscalização dos equipamentos seguiu-se o interrogatório aos técnicos do centro e administrativos, que se prolongou por longas horas, no interior das instalações. De referir que na última semana foi tornada pública a denúncia de um esquema, também em centros de inspecção automóvel, que consistia no aluguer de peças para os veículos com o propósito exclusivo de passar nos exames de inspecção. No entanto, não foi possível confirmar se esta situação está ou não relacionada com a operação ontem levada a cabo.

O número de centros de inspecção em funcionamento estimava-se em 2004 em 170, pertencentes a 76 entidades autorizadas pela Direcção--Geral de Viação. Credenciados estavam, na mesma altura, cerca de 850 inspectores a exercerem actividade diária em centros de inspecção, que realizam anualmente perto de cinco milhões de inspecções a veículos, com uma taxa de reprovação que era superior a 20%, ligeiramente superior à registada em alguns países da UE. O que remete para o grande pormenor deste esquema fraudulento agora desmontado pela PJ, já que esta suspeita ainda que, para legitimar as passagens fraudulentas nos exames, alguns centros chumbem indevidamente um determinado número de veículos para não chamarem demasiado as atenções aquando do apuramento das estatísticas nacionais de reprovações. Ou seja, qualquer pessoa que tenha cometido o erro de não olear a máquina que lhe deveria verificar o óleo.

Bom dia. Hoje eu estou para ver.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Carta aberta ao Zero

Meu amigo, meu bom, querido e quase único amigo: peço-lhe calma, reflexão e serenidade. Julgo que posso falar por todos os criativos deste país quando lhe imponho esta súplica. Por todos os jornalistas, humoristas, piadistas, polemistas, caricaturistas, outros artistas e até turistas e pessoal da São Caetano à Lapa no geral. Não pense em abandonar-nos a todos. Se lhe passou pela cabeça escrever uma carta igual ou parecida com a que o nosso António mandou ao chefe, depois do chefe supremo lhe ter puxado as orelhas em discurso de Ano Novo (imperdoável o timming, eu sei) eu cá sugiro ponderação e reflexão profunda. Homem, é a sobrevivência da crítica portuguesa quem lho implora, nesta hora de perda de uma figura de topo, segundo lugar destacado, do anedotário nacional. Teremos sempre (aparentemente, pelo andar da coisa) o grande Alberto João, lá isso parece certo, temos também Mendes Bota, agora remix, e aqui e ali vão despontando novas promessas, sim, mas o amigo Zero não conquistou com tanto afinco esse lugar de cromo difícil na imensa colecção lusitana para agora atirar, pela janela da demissão, uma promissora carreira de pushing bag dos punhos de renda editoriais. Seja forte, carago! Vá-se a nós.

Aceite o conselho desta ruim cabeça e não desista da sua cruzada, missão, obessão, paixão, compulsão ou peregrinação à senhora da asneira que Portugal se habituou a acompanhar como um morango sem açucar que é diariamente servido com o café e sem cigarrinho para rebater, por cada vez que o amigo abre a boca. Faça o amigo muitos mais daqueles brilharetes de autoritarismo e palermice com que conseguiu o feito notável de piorar o que já era mau, pese necessário. Insista o caríssimo em ser odioso que o papel fica-lhe uma segunda pele, tem até a indispensável bigodaça. Seja sempre um arauto das más novas, ao invés de as insinuar no nosso viver com a vaselina dos espertos. Seja mau, se não conseguir manter o péssimo com que se notabilizou. Sempre ganha o Portugal dos pobres que na falta do pão assim enchem a barriguinha de riso com a rábula revisteira do seu trabalho. Sempre dá alma e coragem ao país dos tristes que somos sem si. Mas não desista, por favor, por mim, por todos, pelo PSD, pelo Dr. Portas, pelo Bloco e por todos os tijolos nacionais, não cruze os braços, não se apague por mais que eu sopre. O que diria Menezes na sua ausência, deixado a sós com uma obrigação de competência e acerto? E sobre que escreveria eu, não me diz? Não vacile, não hesite, não transija. Pesa nos seus ombros uma responsabilidade de igual quilate à do Bond, o agora casadoiro James. O amigo é único, precioso, é o zero da ambição lusitana. Não é um zero qualquer. É o nosso zero.

Sou contra, digo já. Para mim chega de piadas com o Correia de Campos.

"Estreia esta quinta-feira: «O Lado Selvagem»"

E assim morrem os meus heróis

«James Bond vai-se casar em próximo filme»

Bom dia. Hoje eu bato palmas...

...à subida de António Pinto Ribeiro a ministro do reino. Tenho duas dúvidas e uma certeza. Não sei se a Cultura portuguesa ganhará com isso, nem sei se a cadeira do poder vai conseguir estragar tão ilustre figura. Mas sei que é dos homens mais capazes, rectos e inteligentes que o meu país tem para fazer seja o que for que lhe peçam.

...às palavras do Presidente da República, ao proclamar, na abertura do Ano Judicial, que "o Estado de direito não pode ser refém daqueles que dispõem de maiores recursos"

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

E Menezes, saberá onde é o botão?

O Mendes Bota dos advogados

Afinal obrigado, António.

Mais de 100 aparelhos de desfribilhação estão parados e empacotados há meses algures nos Bombeiros nacionais, apesar do seu custo ter passado os quatrocentos mil euros e da sua utilização diária representar uma diferença entre viver e morrer, para quem deles precisar e não os tiver à mão. Diz o vice-presidente nacional dos bombeiros que estão à espera de um protocolo para poderem usar os equipamentos, responde o INEM que não sei quê e não sei que mais, a gente agora usa outra coisa, isso precisa de formação e blá blá blá. Tudo isto a propósito de uma denúncia de ex-bombeiros de Braga, que pintaram um quadro para lá de preocupante da emergência médica que vão conseguindo fazer, com crianças a ajudar no atendimento de urgência e outros pormenores de fino recorte. As minhas ideias estão num reboliço. Correia de Campos começa a ser o meu ministro favorito, confesso. Porque passou a ser bom? Credo, não. Porque nunca se falou tanto de saúde com tantos ouvidos a quererem ouvir. E com tantos a terem que ouvir, que remédio, se querem o seu curriculum político em condições para arranjar emprego chorudo, mal termine esta palhaçada de gestão. Ora, como a necessidade chama o engenho, quem sabe até se isto não melhora um bocadinho desta vez? E tudo graças a ele, o nosso António.

Bom dia. Hoje eu não digo parvoíces.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Esta Lisboa que eu amo

Houve um tempo em que Lisboa tinha sardinheiras viçosas de orgulho luso nas sacadas do seu bairrismo alfacinha. E pregões de varinas, se andarmos para trás, para não falar de aguadeiros e marialvas, claqueiros e fava rica em alcofas, venha ver ó freguesa. Os eléctricos faziam tlim tlim e os de manhã cedinho tinham bilhete de operário, custava poucos tostões. O Pinga jogava na selecção, comiam-se cocós na Ferrari e a GNR intervinha a cavalo na estreia dos 'Sarilhos de Fraldas', com António Calvário e com o mulherio nacional a arrancar cabelos à porta do Odeon sem saber que gritava em vão por uma causa perdida.

Tudo isto não é triste mas é fado, tão somente. Esta Lisboa das tipóias e ché-chés já não existe há muito, foi-se nas mil madrugadas de ontem e só surge, sebastiânica, no doce nevoeiro cerrado que traz a digestão de muitos copos goela abaixo e muita conversa goela fora, em noite de amigos acabada na saudade do 'acabou-se!'. De resto, conservar as tradições em álcool é uma arte fadista, morra quem se negue e acho muito bem. Esta saudade é a diminuta perfeita e consequente deste acorde natural de ser português e estar vivo, um trinado das guitarras que somos hoje, todos nós, enquanto povo e nação. Só que a melodia que se escuta nesta Lisboa dos nossos dias tem tons diversos, variados, muita influência de cítaras e oboés estranhos, berimbaus e tantans, muito flautista e muito rato atrás, diga-se também em abono da tal.

A minha Lisboa de hoje é um embrulho estranho com uma bomba de preconceituosa indiferença terrorista lá dentro, que explode todos os dias em cada esquina do nosso viver. Os estilhaços atingem-nos a todos, mais ou menos fundo, directamente ou por interposto ferimento, dê a gente por isso ou não. Lisboa tem tantos feridos nesta guerra da modernidade como qualquer outra urbe de dimensão capital que, por mais não queira abrir os braços aos estrangeiros, acaba sempre por lhes abrir as pernas. Lisboa não sejas francesa, com toda a certeza não vais ser feliz, lembram-se? Pois cá estamos depois de séculos, com franceses só de calções e no Verão, mas a comprar todas as manhãs nos chineses e indianos, construindo casas com os guineenses e ucranianos, almoçando no bairro o que nos traz à mesa o moldavo de serviço. É de todos eles esta Lisboa? Pertence-lhes por direito esta cidade onde vivem e trabalham e são a cor viva do moderno 'colorido local'?

É esse o grande conflito nacional da cidadania, a partilha e usufruto qualitativos das ruas que são de todos mas onde só nasceram alguns, nestes tempos de aumento exponencial dos uns que, aos olhos dos outros, não merecem quinhão igual ao seu. Mendigos, ciganos, pedintes, drogados, pretos, amarelos, castanhos e outros mil que aqui desaguam de muita nascente. Gente que a gente quer menos gente que a gente é, ou julga ser. Sub-gente, é forte? E se forem pequeninos, são filhos como os nossos filhos, ou são filhos da puta? Só há filhos da gente e filhos da outra, na credenciação lusitana, nenhuns outros?

Corro Lisboa a olhar e saltito realidades como quem evita caca de cão, no passo de passeio. Dou um pontapé numa pedra e salta um preconceito, mais um, e outro e outro. E forço-me a pensar com o coração, sempre que a alma se veste alfacinha. Às tantas a gente quer tanto gostar de uma coisa que acabamos a amar a ideia dessa coisa e nada mais. Uma paixão pelo imaginário abstracto da paixão de cada um, é essa a imagem focada do bairrismo nacional. E quantas vezes se engrossam fileiras de loucura garantindo que só se quer fugir dela, tudo para defender esse preconceito a que chamamos bairrismo. Lisboa é dos lisboetas e é dos vadios, sim, porque vadios somos todos nós nesta sociedade mesquinha que se olha de lado até ver a etiqueta de cada um. Somos todos operários da mesma fábrica, porque ser povo é uma trabalhalheira, não é um emprego. E se fosse um emprego, acreditem, éramos todos chefes.

Lá está a minha gente a abanar o capacete

Há coisas tão bem ditas que eu nem lhes mexo

«O primeiro-ministro tem razões para estar irritado, mas não tem toda a razão. Se houve atitudes da ASAE que nem contadas, há críticas à ASAE que também não relevam do mínimo bom-senso. A culpa até pode ser de quem começou e abriu o caminho, como sempre; mas alguém tinha de o fazer, mesmo que depois se aproveitasse a boleia. A verdade é que a actividade da ASAE é desejável e fundamental, no sentido em que é (entre outras coisas) uma agência de segurança alimentar. A ASAE levou o que levou porque tratou o país como coisa sua, a coberto da lei. Provas? Várias. A linguagem, o tom, a fábrica de foras-da-lei. Por exemplo, quando o inspector-geral diz que quem não concorda com «isto» sempre «pode emigrar». É bom que regresse o bom-senso. O primeiro-ministro está irritado, mas é a vida. Que ralhasse primeiro.»

Mundinho merdoso este nosso, não?


(A notícia é tão nheca que quase me tirou o prazer de voltar a ler o Nuno, aqui)

A grande Revista à Portuguesa

Bom dia. Hoje eu não me rio mas também não vou chorar.

«Suharto morreu com 86 anos»

sábado, 26 de janeiro de 2008

Não vou, não vou, não vou. Já disse.

Vá lá, meus amigos, vocês não querem mesmo repensar aquela coisa da lei do tabaco, não? Vamos conversar, ao menos. Vejam os meus argumentos, por favor, que amparam-me de negro os suportes do paraíso, toalham-se-me as ideias quando penso num mundo sem os pequenos prazeres que me fazem amar a vida.

Vem por aqui, dizem-me alguns com olhos doces, estendendo-me os braços e seguros de que seria bom se eu os ouvisse
quando me dizem: 'vem por aqui'!Eu olho-os com olhos lassos, há nos meus olhos ironias e cansaços, e cruzo os braços, e nunca vou por ali... Vá, deixem-me ir por onde quero, permitam-me que siga o desejo, tirem-me o cilício que eu louvo a Deus na mesma.


Porque hei-de eu embarcar nessa aventura da simulada perfeição de um viver sem pecado só para o grande retrato de uma família feliz, não me dizem? Não, mil vezes não. Ninguém me diga 'vem por aqui', que a minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou, é um átomo a mais que se animou. Não sei por onde vou. Não sei para onde vou, mas sei que não vou por aí.

(Imagem sacada ao bom gosto de João Villalobos, aqui)

Se o Nunes e o Campos ficarem quietos no meio do Rossio, pode ser que bata a sorte, nunca se sabe..

Medida urgentissíssima

«Ele sabe bem daquilo que se refere», disse Luís Filipe Menezes, agorinha na SIC, referindo-se a Marinho Pinto, o Bastonário da Ordem dos Advogados. Ouvi eu com os mesmos dois que ouviram o 'há-dem' de Jorge Coelho.

Rápido, é urgente, toca a andar: um Daniel de Sá para cada assessor de comunicação do líder, já!! Agora, porra!! Que a vergonha é desmasiado muita grande.

Lindo de morrer

A mulher era irritante, convenhamos. E o puto era uma peste de encanto, hiper activo, lindo de morrer. Contei trinta e dois 'tá quieto' e doze 'apanhas!' em poucos minutos, mais um menos um. Ele saltava para aqui, mexia ali, gritava acolá e aporrinhava o juizo daquela mulher vestida nem bem nem mal, penteada nem bem nem mal, quase camuflada na selva dos dias. O garoto saltitou no passeio à minha frente uns bons metros, de um lado para o outro, de trás para a frente ao ritmo do aviso constante da mãe. Com o jardim à vista não resistiu e atravessou sem dar tempo ao grito materno. Já tinha chegado ao outro lado quando o grito se fez ouvir, tão alto que o fez estacar. E bateu-lhe por certo a enormidade do erro, tantas vezes repetido, não se atravessa a rua sozinho. Hesitou nas pernitas bambas, mas a obediência veio com a consciência. Largou a correr de volta para junto da mãe.
O carro apanhou-o de raspão, mas bateu forte. Partiu-se contra o lancil do mesmo passeio onde queria chegar. Veio a vizinhança, veio o INEM, veio a polícia e veio o fim da tarde com aquela mulher enrolada num canto, perdida em si mesma, ausente da vida, casaco e chapéu do filho na rodilha das mãos e a repetir a mesma frase, vezes sem conta e a todos os que se chegavam. «Nunca fiz nada de jeito, nunca. Nunca fiz nada de jeito nesta vida». Ouvi duas vezes, que não tive tempo de fugir da segunda. Mas ainda lhe vi, de relance, os sapatos velhos e cambados, e o olhar com um vazio de mil mundos.
A mulher era irritante, convenhamos. E o puto era uma peste de encanto, hiper activo. Lindo de morrer.

Desta vez não fui eu, juro.

Cláudia Cardoso, Deputada do PS, in Açoriano Oriental
(lido aqui)

Vêem? Não fumar nem sempre ajuda..

Eu nada sei

Só hoje ouvi de viva voz as declarações do senhor Bastonário da Ordem dos Advogados. Só hoje o vi na televisão. Aparentemente, não trazia a gravata do clube dos homens da massa, pessoal da influência, coração do poder, rapaziada do almoço lucrativo que ganha cinco milhões de contos entre as dez da manhã e as cinco da tarde, atletas do tripo salto de um edifício público para o privado em duas escrituras no mesmo dia.

Sócrates tem a frase do dia, em Monsarraz: «Eu nada sei...o que é que ele quer dizer...», antes de ir oferecer cento e não sei quantos computadores à praça de touros de Évora, com direito a banda sonora de uma manifestação de protesto ao serviço de saúde, cá fora. O PGR já disse, vamos todos fazer um rigoroso inquérito às acusações do senhor Bastonário. Foi a única coisa que me tranquilizou, confesso. Daqui para a frente vai mudar tudo, vão ver, vai ser tudo diferente. Com este rigoroso inquérito, acaba-se a corrupção em Portugal. São favas contadas.

Verde que te quero verde

Chego a Lisboa, venho do campo. Almoço num sítio com árvores em frente. Estão negras do fumo dos carros, raquíticas no seu inverno permanente e imunes a todas as primaveras. Mirradas, como um cão grande mal alimentado. O verde da minha Lisboa está cada vez mais cinzento, penso para mim enquanto fumo um cigarro às escondidas. Porque é proibido? Aqui não, por acaso. Porque sim, sei lá.

Uma lei para fumar na rua só com saquinho C22-S para guardar a beata, já. Julgam que é brincadeira?

«Autarquias vão comprar cinzeiros para espaços públicos»

Pssst, pssst, bichano...

A dúzia de gatos que bate este quintal nas caixas de comentários há-de ter notado que eu tenho estado meio ausente das latas comuns. É um facto, lamento e ponho flores. Afinal também tenho que ganhar a sardinha nossa de cada dia, que ninguém me dá hoje. Mas já está tudo actualizadinho, pela fresca sentei-me e pus-me a aviar respostas para amigos, clientes e coisónimos. Não é por nada, mas detestaria deixar-vos a miar sózinhos. Voltem, estão perdoados.

Bom dia. Hoje é um dia melhor que ontem.

Pronto. Pois.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Uma caixinha de surpresas

















(imagem roubada daqui)

A morte lenta da pescada de Alijó

A história do morto de Castedo é de morrer a rir. A aventura deste morto à espera , ontem contada no Jornal da Noite da SIC pela transcrição pura e dura das chamadas telefónicas entre o INEM e os Bombeiros de Favaios e Alijó, cá para mim merecia o Grande Prémio qualquer coisa, na ausência de um Pullitzer nacional. O repórter mais genial não conseguiria traduzir, só por palavras suas, nem um milésimo da confrangedora enormidade do ridículo desta situação. Nada como ver e ouvir, saborear cada segundo desta emergência, com a tranquila não-urgência do facto consumado. Com o assunto já morto, passe o termo. Imaginando sem esforço que se trata do grande sketch de estreia dos Gato Fedorento na SIC, um passe mágico de Nuno Santos para por o país a bater palmas de pé. Só assim se resiste à indignação, também. Recordemos o essencial.

Tudo começa com uma chamada para o 112. Emergência na linha. Uma mulher pede socorro porque um homem caiu em casa. A operadora do CODU faz o que lhe compete, pergunta. Onde fica? E a morada? E o telefone? A mulher que ligou é um prodígio de confusão e pede ajuda lá em casa. 'É só um momento, fachavor'. 'Tou?' É o irmão da vítima, embora pouco saiba dizer sobre ela. Idade ao certo não sabe, número da porta também não, diz que ele estava doente, (e qual era a doença? olhe, caiu!). Ah, e mais: diz que o homem está morto. A operadora do INEM duvida do mano como Portugal duvidou dos McCann. Tanta frieza e sem lágrimas? Só pode ser mentira. Vai daí quer saber mais, já pergunta em tom desconfiado. 'E ele mexe-se?' 'Não', diz o mano. 'Mas estava doente?' 'Sim'. 'Com quê?' 'Caiu em casa, deitou muito sangue pela boca'. 'E respira?' 'Ó minha senhora, ele tá morto!' Em desespero, a operadora arrisca: 'Isto não é uma brincadeira, pois não?'.

O tempo vai passando, entretanto. Se o morto estivesse vivo estaria mais morto que vivo, e se estivesse mesmo morto também podia esperar, não tem mal. O INEM liga finalmente para os Bombeiros de Favaios, para fazer seguir o socorro. 'Boa noite!' 'Diga?' 'Boa noite!' 'Ah, sim, diga'. A operadora conta a história e leva um ou dois minutos até perceber que está a falar sózinha. 'O senhor ouviu alguma coisa do que eu disse até aqui?' 'Não, é que eu estava ao telemóvel, diga lá fachavor'. A operadora conta tudo outra vez, mais minutos, mais partes gagas. Quando acaba, ouve a pergunta da noite. 'Então e agora o que é que eu faço?' 'Desculpe, eu estou a falar para os Bombeiros de Favaios, ou não?' 'Sim, pois, sim, é daqui, agora eu faço o quê?' 'Ó senhor, manda uma ambulância, então?' 'Sim, pois, mas é que eu estou sózinho no quartel...' O tempo continua a passar e a operadora começa a passar-se, ela própria. Despacha o bombeiro solitário de Favaios e liga para os Bombeiros de Alijó para resolver o problema. 'Tou?' 'Boa noite, é para mandar uma ambulância para Castedo, um ferido grave que caiu em casa.' 'Bom, mas... é que eu estou sózinho no quartel...' 'Então e se houver um fogo?' 'Ah, aí toco a sirene'. 'Então não arranja um tripulante?' 'Só se telefonar a um amigo, ou assim...'

Se uma imagem vale mil palavras, esta reportagem vale por todos os milhões de palavras que têm sido gastos a tentar retratar a reforma da saúde e a bondade dos argumentos do senhor ministro. Esta reportagem vem mudar tudo, para mim. Quando, por exemplo, me pedirem dados concretos para comprovar a fraca consistência desta visão iluminada do nosso António, eu vou esquecer as longas tiradas de reflexão e vou simplesmente remeter quem pedir a explicação para este video que tudo explica. Vinte e oito minutos do Jornal da Noite da SIC tiveram o condão de explicar ao país qual é o verdadeiro rosto da emergência médica no terreno acidentado desse interior desprotegido dos mínimos pela reforma de Correia de Campos. Assim se vê e se explica a desarticulação, a fragilidade dos meios e a falta de preparação e escassez do factor humano desta reforma. Assim se vê e escuta como podemos morrer de azar. E com o país a rir.

Entre o primeiro telefonema para o 112 e a chegada da VMER dos milagres, passou um tempo despropositado e aconteceu um mundo de confusão e caricatura nesta emergência de anedota. Sobra agora o grande argumento político: que o morto morreu logo na queda, que já não havia o que salvar, tipo pescada, que antes de ser já o era. Será certo que o homem tenha morrido na queda, sim, pronto. Mas eu cá digo que foi isso mesmo que o salvou, com este humor negro com que me deixam estas notícias, ou decerto morreria da morte lenta e estúpida que é esta reforma do impagável Campos. Outra pescada, no fundo. Antes de o ser, já era.

Um Nunes para cada sushi. Já!

Bom dia. Hoje eu não sou ladrão, que é feio e é pecado.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Romance da Bicha-Fera

Não há nada como um conto infantil para acalmar as tormentas das conversas sérias. É essa a proposta de Daniel de Sá para hoje. «Vai esta minha versão do romance popular "A Bicha-Fera", ou "A Bela e o Monstro"», diz-me em recado privado. «"Bicha-Fera"é o nome mais popular nas versões portuguesas, e foi por ele que optei.» Seja então bicha-fera, meu amigo. E romance, sobretudo, que é o que mais falta faz aos desamores deste mundo.

Em baixo: "A Casa".
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá.
Era uma menina bela,
Tão bonita de pasmar.
Já não tinha sua mãe,
Morta de um mal de matar.
Vivia só com seu pai,
Que nunca a qu’ria largar.
Mas um dia ele partiu
Para um longo viajar.
Choram os dois tanto, tanto,
Que é de o coração cortar.
Vai-se o pai por muito tempo,
Sem saber quando voltar.
Mas no dia do regresso,
Já se sentindo chegar,
O caminho por que vinha
A um palácio foi dar.
Era tão forte e tão belo,
E tão grande de espantar.
Não havia casas perto,
Nem onde chegava o olhar.
E, na frente do palácio,
Era um jardim de encantar,
Das rosas mais perfumadas
Que se pudessem cheirar.
Colheu o pai uma delas
Para à menina levar.
Logo se ouve a bicha-fera
No mais terrível bradar:
“Sou o dono do palácio
Onde acabas de passar,
Mais do jardim dessa rosa
Que me quiseste roubar.
A morte tens prometida,
Ninguém te pode salvar,
Que essas rosas é que são
O meu almoço e jantar.”
Pôs-se o pai em grandes prantos,
Num mui triste lamentar:
“Ó meu Deus, que vil tormento,
sofrer tanto por amar.
E agora a minha filhinha,
Quem dela há-de cuidar?”
Logo a fera respondeu
Com uma voz de assustar:
“Se tens uma filha, és salvo,
que assim te quero salvar,
mas ao preço dessa filha
que terás de me entregar.”
Foi-se o pai só de dor feito
E sempre, sempre a chorar,
Para trazer a menina
E o seu pecado pagar.
Nada temeu a menina
Do que havia de passar,
Pois até daria a vida
Para a de seu pai salvar.
Entrou naquele jardim
Que era muito de encantar,
E pelo portão da frente
Do palácio de espantar.
Ninguém a vem receber,
E ninguém ouve falar,
Até que, morta de sono,
Na cama se foi deitar.
Deitou-se em cama de penas,
Muito macia ao tocar,
Mas nem sequer pensou nelas
De muito cansada estar.
Ao outro dia acordou
Depois de bem descansar,
Procurou por toda a parte
Pondo-se sempre a chamar,
Mas ninguém viu nem ouviu,
Tal como fora ao chegar.
Mas logo viu mesa posta
Com excelente manjar,
E em muitos dias seguidos,
Ao almoço e ao jantar.
Até que, passado o tempo,
De a Lua encher e vazar,
Ouviu um choro tão triste
De o coração apertar.
“Quem chora assim tristemente,
Com tão profundo penar,
Venha chorar no meu colo,
Pois o quero consolar.”
“Por mais que queiras, menina,
Eu não me posso mostrar.
Sou tão feio, tão horrível,
Temo muito te assustar.”
“Se sois vós quem bem me trata,
Que tão bem me quis tratar,
Por mais que vos veja a cara
Só a alma eu hei-de olhar..
E, se quereis que eu o jure,
Por meu pai hei-de jurar.”
Aparece a bicha-fera,
Num triste e pesado andar,
E logo corre a menina
Para o seu pranto enxugar.
Deitou-se no seu regaço,
A bicha-fera, a chorar,
E então a bela menina
Beijos lhe deu sem contar.
A bicha-fera acalmada
Adormeceu a sonhar
Que talvez houvesse um dia
De com ela se casar.
Passou-lhe a mão pela testa,
Não parou de o afagar,
E enquanto o bicho dormia
Nunca deixou de o olhar.
Foram os dois tão felizes,
Em tantos anos de amar!
Todos os príncipes belos,
Ao ver o tempo passar,
Iam ficando tão velhos
E tão feios de pasmar,
Enquanto que a bicha-fera
Nada tinha que mudar.
E, por graça muito estranha,
Nunca havia de mudar
A beleza da menina,
Que estava no seu olhar.

Bom dia. Hoje eu passei o cabo do medo.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Pedro Bicudo?

Eu tenho ideias para a RTP/Açores. E tenho o telefone do director, dois trrims e ele está lá, faz favor. O que não tenho é o direito de lhas impor a frio, como se fossem verdade suprema. Nem ele tem a obrigação de as ouvir e a quente bater palmas ao pretenso iluminado. As ideias devem fazer-se valer por si próprias, pela sua qualidade e oportunidade, na circunstância. Quero eu dizer com isto que o habitual nestas coisas seria eu ligar ao fulano, que é amigo de sicrano, que andou na escola com beltrano, para que todos juntos e em coro corressem a dizer ao director que eu sou muita bom e que ele tem de me ouvir, deve ouvir, talvez fosse bom se ouvisse, enfim, todas aquelas frases e argumentos que cabem inteirinhos numa palavra: cunha.
A cunha é uma instituição veneranda em Portugal e no mundo. A cunha mete-se em todo o lado, é o instinto primeiro, o precioso segundo, o aval de terceiros e muita vez dado no quarto, onde cada um mete a cunha onde pode. Lamento, falta-me o jeito e vão-me doendo as costas, por estes dias.

Eu tenho ideias para a RTP/Açores. E a RTP/Açores tem Internet, se as quiser ouvir, mais às achegas daqueles a quem tirei do sossego de abrigos vários, quentinhos e resguardados, cutucando com vara curta ou bengaladas o seu sentir açoriano. E todos temos telefones que fazem e recebem chamadas. É que essa coisa da 'nossa televisão' é uma frase gira que queremos verdadeira, o milhafre voa, os sinos tocam o hino, mas vão-me perdoar que seja mais exigente enquanto plano e estratégia para mais e melhor televisão na minha terra. E é uma frase que espelha uma realidade que só se exige a Pedro Bicudo, neste momento. Todos nós estamos calmamente sentados na mesma cadeira onde vemos do Prós e Contras ao Big Brother, ou a RTP2 do outro, mas sempre rosnando impropérios pela diferença de qualidade entre os uns e os outros. Queremos uma coisa assim, mas não é bem assim, sei lá, é mais assado, talvez frito e cozido, sei lá, uma espécie de BBC com CNN e mais o Caramelo da Vila Franca e o SandroG, tudo ao molho com as coroações e muita fé no Senhor Santo Cristo, que é a nossa gala dos Óscares. É isto a identidade cultural dos Açores?

Há uma técnica antiga que caracteriza na perfeição este meio, enquanto comunicação. Em televisão nada se cria, tudo se copia. Tudo se pode fazer diferente, melhor, talvez, mas em cima daquilo que já foi feito. Arriscar para quê? E se falha, porra, tanto dinhero gasto? E assim se vem programando a televisão no mundo inteiro, ajeitando aqui, juntando uma vedeta ali, musicando acolá, escolhendo targets acoli, inventando na passada para actualizar piadas e recursos, cenários e guarda roupa, para que o freguês coma com gosto e desconfie pouco. Acabaram-se os caracóis, ora agora tomem lá escargots. Telefona-se a seguir a um conhecido crítico a quem ajudámos ontem e estamos a promover hoje. E pedimos-lhe que diga o pensa da mudança, sinceramente, claro. Atentem no discurso, que estou certo ouvirão as palavras ‘fantástico’, ‘revolução’, ‘genial’ e outras, arrumadinhas a gosto e ditas com o coração nas mãos e a lágrima no olho. Depois liga-se às redacções, correm-se as listas a quem se mandou lembranças no Natal, faz-se um briefing para jornalistas, com almoço, evidentemente. Se a coisa for bem feita, meus amigos, até Mandela passa por branco e partidário do apartheid, acreditem no que vos digo. E o povo bate palmas no fim e compra as revistas que trazem a vida das estrelas para saber quem casa com quem. E todos vivemos felizes para sempre. Esta é a má notícia. Qual é a boa notícia? A boa notícia é que não tem que ser sempre assim.

Os Açores têm uma identidade cultural própria e característica, diz o chavão repetido, e são certas as palavras. Como de resto toda a gente, acrescento eu sem ofensa. Afinal,‘identidade cultural própria e característica’ são as características dominantes de um povo, qualquer povo, que permitem delinear-lhe um perfil e estabelecer um estereotipo que é apenas ponto de partida para o conhecimento desse povo e nada mais. Não é um espartilho de costumes e muito menos será um cinto de castidade para a criação, como querem muitos puristas da tanga, açorianos, a tal guarda pretoriana de um sentir que insistem em querer representar. Uma televisão que valorize, na informação e no entretenimento, a identidade cultural dos Açores, deve ser uma televisão que anda de mão dada com o povo nas ruas onde ele mora. Uma televisão que desce à rua e não que condiciona a rua à maquilhagem do estúdio.

As vantagens são evidentes, as editoriais. Mas também as técnicas, se pensarmos bem. Programas em estúdio requerem estúdio para os fazer, naturalmente, para começar. Exigem cenários dignos, iluminação competente, realização a três, quatro cameras, mínimo, grua, charriot, handycam, tudo se não estivermos a falar de telejornal ou de um mano-a-mano de entrevista. Requerem microfones de lapela, sem fios, perchas, insonorização. Exigem uma produção alargada para ser competente, um produtor que não seja assistente, varredor e gajo dos cafés, (como esse excelente Carlos Terceira que faz tudo, castigado não só por ser bom em tudo como, sobretudo, porque não há mais ninguém). Precisam de equipas na redacção e na ferrugem, na régie e na carpintaria.

Uma programação com mais pé na rua traz vantagem na proximidade, ganha audiência que se quer ver ao espelho, publicidade para por no espelho, e ainda usufrui de borla do melhor cenário natural, pintado pelo criador de todos os cenógrafos. Dirão já os do costume: ‘Pois, quero ver’. Digo eu que pois, que era bom que vissem. Era bom sinal. Era sinal que a tal ‘identidade’ que reclamam, sem ter ideia do que falam em concreto, estava afinal a dois passos e a dar passos de gigante na sua construção. E como o homem humanus est, lá estariam todos na primeira fila das palminhas quando a coisa desse certo. E muitos puxariam galões de autor na hora da fotografia.

O equilíbrio editorial tem quilómetros para andar nos Açores, haja estrada e condutores. Valorizar as nossas raízes é importante, melhorar o nosso presente não o é menos, construir o nosso futuro é essencial. Disciplinar a Informação de um canal regional com o cilício do governo é uma pecha antiga e, no caso da RTP (seja a A seja a M seja o resto do abcedário do Minho ao Algarve) é um destino marcado à partida. Daquele bolso saem as notas que pagam os brilharetes dos criativos, se os houver. As trinta moedas que sustentam as reportagens da tanga, obrigatórias, cá e em toda a parte senão a vaca dá coices e acaba-se a mama. Assim, qualquer direcção de informação só tem um caminho para a (razoável) independência do poder político e sobrevivência com dignidade: a competência, essa chave mestra para a porta aberta da sustentação popular do canal. Seja a RTP/A fiel e verdadeira, isenta e sem rodriguinhos de favor, presente e não ausente na desgraça e na alegria dos que a vêem, rigorosa no respeito dos superiores interesses da região e verão quantos receptores de tv estarão a papar televisão açoriana de manhã à noite. E quantos empresários quererão patrocinar essas emissões, assim alguém vá lá vender o serviço e buscar a massa.

Na cultura, no espectáculo, nas artes e até no desporto da região, a televisão açoriana vem alternando entre o desprezo total e o tratamento deficiente. Os critérios editoriais, a par com a escassez de meios financeiros, são os verdadeiros patrões deste desgoverno. Em palavras simples é assim: o pouco que há é aplicado só com um olho. Fiz-me entender? Nunca estive na RTP/A numa reunião de redacção (se é que as há) para planificação de um alinhamento informativo. Nunca assisti ao distribuir de tarefas, em função da agenda da actualidade, coisa que faz a base de normalidade de qualquer redacção. Não posso dizer quantas reportagens foram marcadas por prioridade informativa, por interesse público, por relevância de acontecimento, por conveniência pessoal ou por mera acessibilidade de meios, que a gasolina está cara e as horas extra são pagas a doer. Mas sei quantas vezes, numa estação nacional (qualquer estação nacional), um trabalho sobe e outro cai só porque sim, pronto, deixa lá, hoje não dá, amanhã é outro dia e sou eu que peço, vá lá, pode ser? Mas sim, claro, pois é, nos Açores é diferente, já sei, está bem. Desculpem.

Fazer omeletes sem ovos é magia de produtor e de programador. Faz parte da arte, tem-se ou não se tem, ser bom rapaz não ajuda, atrapalha no mais das vezes. E cada um é para o que nasce, que diabo, não é defeito. Mas vá lá saber-se porquê, quando se fala de televisão toda a gente quer ser entendida, todos sabem fazer, é tudo tão fácil, tão evidente, todos têm uma visão artística genial que só os outros é que não vêem. É sempre assim com a arte e com o dinheiro. Quantos artistas de génio executam cagalhões com patine para agradar a bolsas, rechedas na inversa proporção do seu bom gosto. Quantos meios técnicos e humanos se esgotam em boas vontades saloias, mas bem intencionadas, bons rapazes, tudo bons rapazes. Mas ser bom rapaz não ajuda ninguém em televisão, nem o próprio, que cedo ou tarde se vê enrodilhado em milhões de pormenores técnicos e artísticos para cuja solução não nasceu, nada a fazer, não consegue sequer perceber muito bem de que se trata, esgota-se a comunicação, estraga-se a coesão, mata-se a cumplicidade com os técnicos e é certo partir-se para a asneira, financeira ou artística. Conjugar as duas coisas com mestria é arte de muito poucos, ou não fossem os entendidos em produção e programação televisiva uma escassa meia dúzia em Portugal. Não temos de ser todos entendidos, nos Açores. Mas também não precisamos de ser parvos a fingir que o somos.

O financiamento de uma estação pública é algo que me escapa à compreensão. Sofro de um complexo de Estado desde cedo, nem o abono de família dos meus cinco filhos alguma vez recebi ou quis receber (as mães acho que sim, nunca perguntei). Acredito na iniciativa privada como primeiro caminho, o penduranço no erário público ficará para quando for velhinho e incontinente, que Deus espero não queira. Mas admito e reconheço que a RTP é Portugal, ponto. Que a RTP é serviço público, ponto. Que a RTP é o melhor sítio para fazer televisão no nosso país, ponto. E que a RTP/A deve ser financiada, nos seus custos fixos de prestação mínima, pelo Estado português. Ponto final? Não. O ponto final está para além do risco privado, civil e empresarial, do mercado onde se compra, troca, inventa, produz, faz e só acontece vender se for anunciado e publicitado. É aí que se deve procurar o ponto final da busca pelo financiamento, não no Diário da República que traz o OGE. Há um mercado empresarial nos Açores igual ao que existe em toda a parte, só que mais pequeno. As regras são iguais para todos, que são estudadas e baseadas no nervo fácil da espécie humana. Os presidentes vendem-se como os sabonetes, dizia Pinto Balsemão, com um exagero que não invalida o acerto maior da reflexão.

O que não existe na RTP/A (nem nos Açores) são duas coisas fundamentais. Não há um departamento comercial orientado pelo profissionalismo de uma cultura de venda, nem uma cultura de compra por parte de uma classe empresarial estragada pelo conceito de ‘dar’ publicidade de esmola em vez de a comprar, como ao azeite, batatas e papel higiénico de que necessitam lá em casa. Pois o caminho para a RTP/A está em explicar a esse ror de gente que aquela coisa dos retratinhos nas festas dos baptizados dos filhos e das páginas inteiras a dizer maravilhas do petisco que até sabia a merda, não o vai ajudar no final do mês, quando fizer o balanço de economato. Não é a vizinhança saber que ele é rico e poderoso que o vai tornar alguém assim. Não é o elogio barato, vulgar e bacoco que vai melhorar a qualidade das suas soluções, antes aperta os calos do seu problema. A publicidade paga-se na directa proporção do que é capaz de vender, e não porque a vendedora é brasileira e tem mamas grandes.

Para acabar este princípio, sobra o principal. Ou melhor, falta o principal. Gente. Exacto. Gente, pessoas, talentos e braços para abraçar a televisão nos Açores. Gente que não seja já vedeta, burro velho que já foi precioso e deve ser para sempre recordado com respeito, mas que já não aprende línguas nem consegue aprender que já não consegue aprender. Confuso? Então imaginem-se com vinte, trinta anos das vossas vidas entregues a um entusiasmo, a uma aventura de tecnologia e deslumbramento pioneiro, a uma arte que consumiu as vossas horas livres, o tempo das vossas famílias, o sacrifício de horas e horas a mais só por gosto, para depois vir um gajo qualquer com um brinco na orelha e um ar apaneleirado dizer-vos que vamos gravar assim ou vamos editar assado, porque ele é que sabe. Se partirem deste raciocínio e tirarem o brinco e o ar apaneleirado, obtêm com facilidade um retrato aproximado da reacção que faz, na massa humana da RTP/A, qualquer pessoa que de fora do seu restrito grupo de interesses e amizades venha fazer televisão para os Açores.

Assim sendo, qualquer solução para a RTP/A passa pela revisão escrupulosa dos seus quadros internos, goste-se ou não, à luz de critérios de estrita competência profissional e disponibilidade pessoal. Eu sei que esta teoria nunca foi bem aceite na RTP, nem na nacional, quanto mais na Açores. A RTP, cá, lá e em toda a parte, é como o exército: a velhice é um posto e o patrão não chateia muito. Empenho, amor à camisola, sacrifício e abnegação, na RTP, guardam-se para quando a gente está a trabalhar para o pullitzer, que para o dia a dia é ‘para quem é bacalhau basta’. A rotina dos anos mata a magia em gente desmotivada, quanto mais em quem nunca a teve e até foi para ali porque era seguro, função pública, era a RTP e aquilo até se faz bem. A solução para uma nova RTP/Açores terá obrigatoriamente por passar, mais tarde ou mais cedo, pela juventude da nossa terra, onde morarão as vocações de ouro que vão perpetuar esta arte. Só que a gente não as conhece, não me venham falar em concursos públicos para a RTP que eu começo a rir à gargalhada (Pedro, lembras-te de Madrid?). Abram-se as portas a um casting feito com cabeça e olho clínico, não de brincadeirinha como têm sido feitos, a gozar com as vocações e com os corações dos nossos jovens, para tudo se acabar numa grande frustração geral e entrarem os primos de alguém da casa, mais ou menos próximos.

Há um papel importantíssimo reservado para os profissionais mais antigos da RTP/A. Um papel único e indispensável, pela sua experiência, traquejo e sabedoria. Mas cabe ao director da RTP/A definir qual é esse papel, enquadrá-lo no seu plano e de mais ninguém, já que é dele a cabeça que se pede se der disparate. Cabe ao director da RTP/A decidir quem vai e quem fica nesta aventura, para onde vai e onde é mais preciso no quadro de uma planificação superior que não tem que nem deve mostrar ao primeiro pateta que lhe peça explicações, públicas ou não. E sempre que se sentir traído nos seus objectivos pelo pézinho na engrenagem, essa marca registada na técnica érretêpiana, deve o director da RTP/A correr com tal empecilho na hora, custe a indemnização que custar, sim. Porquê? Por vaidade pessoal, teimosia, despotismo? Não. Por visão de administrador, estratégia de programador e decisão de patrão assumido, na ausência do Estado português que não cabe nas instalações. Toda a gente que ficar tem obrigação de dar o litro, mas de trabalho, não de opiniões de gestão e estratégia. Não faltam sapateiros agarrados à rabeca, na televisão regional. Se estiverem a tirar o lugar ao futuro do audiovisual na nossa terra, a entupir o canal dos talentos e das vocações, teimosamente sentados na sua própria incapacidade e a prejudicar as novas gerações e a todos nós, então fora com eles. Não coiso nem saem de cima? Então há que chutá-los, mesmo que sejam bons rapazes.

Eu sei que não deve ser agradável ler uma análise crua e desapaixonada da situação da RTP/A. Ditas as coisas assim, os gajos isto, os gajos aquilo, a tendência é concordar, não tenho dúvida. Mas quando se põe a cara do Zé da esquina, do Manel daqui, ou do João dali, que é pai deste e primo daquele, e a filha dele andou à escola com o sobrinho do irmão de todos nós, a coisa fica mais difícil, é normal que assim seja. Mas nessa altura deve-se pensar, com justeza igual, no António das couves e no Luís das iscas que até são competentes e estão disponíveis para o novo projecto mas vão perder o que têm e o que são profissionalmente por causa de meia dúzia. E aí, não há hesitação. Há que decidir. Ser director é isso mesmo.

A produção externa nos Açores poderia ser uma solução de compromisso, mas é uma piada de gosto duvidoso, trabalhos em V8, editings caseiros, estúdios de fundo de quintal, chico-espertos em todo o lado e o compadrio de sempre. Têm todos uma coisa em comum: são ou foram, ou têm um primo, irmão ou amigo na RTP/A. Juntaram uns tostões, fizeram um crédito à banca e agora são Filipe La Féria a produzir, Fernando Ávila a realizar e Endemol a parir programas de televisão que, alguns, eu não mostrava a ninguém por vergonha de caixão à cova. Os operadores são sempre os mesmos quatro ou cinco, os contemplados com a locução, produção, montagem, realização, idealização, sempre os mesmos seis ou sete, o que significa que o resultado é sempre igual ao mesmo, igual a si próprio. Chorei a rir quando vi há dias um abaixo assinado, já não sei onde, a pedir assinaturas para ‘não permitir que acabe o programa Estação de Serviço e que a Susana e o Vasco Pernes não deixem a sua apresentação’. Ri porquê, porque eles não prestam? Nada disso, deixem-se de fitas. Porque eles são iguais em qualquer programa, isso sim, que história é essa do Estação de Serviço? Um clássico? Da asneira, talvez.

Eu tenho ideias para a RTP/Açores. E tenho o telefone do director, dois trrims e ele está lá, faz favor. O que não tenho é o direito de lhas impor a frio, como se fossem verdade suprema. Nem ele tem a obrigação de as ouvir e a quente bater palmas ao pretenso iluminado. As ideias devem fazer-se valer por si próprias, pela sua qualidade e oportunidade, na circunstância. E depois não serei o único a ter ideias, na minha terra a inteligência cresce como o verde. O que falta é tom de voz. Espalhados pelas nossas nove ilhas estão talentos em bruto, por descobrir e por ganhar para essa arte fabulosa que é a televisão. Ideias e gente, opiniões e estratégias, amigos e inimigos, vizinhos e compadres, está mais que na hora de se juntarem todos e todas em redor de um projecto comum de televisão regional. Não para dar palpites de como devia ser, ora agora ponha assim, ora agora faça assado, que para atirar sentenças há muitos, já chega, obrigadinho. Mas sim para fazer cordão firme com o primeiro timoneiro que aparecer com conhecimento, coração, cabeça e tomates para agarrar o leme da RTP/Açores e levá-la a porto seguro. Ao abrigo dos ventos, que sopram sempre cruzados, do poder e de baixo. E capaz de marés talvez nunca sonhadas por quem pôs de pé esta obra que nos compete continuar com dignidade, até por eles. Não é uma maré impossível de conseguir. Nada impossível, mesmo. Assim haja timoneiro.

Pedro Bicudo?

O cheiro das ideias

O PSD vai passar o primeiro partido a trabalhar em colaboração permanente com uma agência de comunicação. Os social-democratas vão passar a contar com um colaborador desta agência no Parlamento e com outro na sede do partido. Luís Filipe Menezes considerou que a colaboração desta agência, contratada quando o presidente do partido foi eleito, apenas na sede do partido era insuficiente.

Eu cá atrevo-me a propor mais, vou mais longe, vejo além. Devia haver outro na casa de Luís, outro no carro de Filipe, um para cada telefonema de Menezes e dez na rua, por pessoa. Ah, e uma camera na casa de banho, para que o líder possa, finalmente, cagar em video-conferência as suas postas de pescada para todos os portugueses.
Não vos cheira, a ideia?

Há coisas tão bem ditas que eu nem lhes mexo

«"Faro tem um problema que torna difícil o seu funcionamento perfeito, que é a sua sazonalidade". "Tem uma parte do ano, dois ou três meses, em que a sua população triplica". Declarações que, certamente, devem ter sossegado todos os algarvios. Se em Janeiro é como é, com macas e macas a amontoarem-se no corredor, estará o ministro a querer dizer que em Agosto vai ser três vezes pior? Correia de Campos, não há dúvida, desafia mesmo todas as regras da lógica.»

(lido aqui)

Porqué no te drogas?

«A coca não é cocaína. Eu mastigo coca todos os dias pela manhã e vejam como estou», disse Chávez, provocando gargalhadas dos ouvintes enquanto mostrava o bíceps. «Evo manda-me a pasta de coca. Eu recomendo, recomendo», acrescentou Chávez durante o discurso transmitido na televisão.
Foi o próprio presidente venezuelano que revelou a prática em meados deste mês, quando pediu durante um discurso na Assembleia Nacional para que a associação dos produtores de coca, encabeçada pelo líder boliviano Evo Morales, não seja criminalizada. Agora, sectores da oposição que não acharam piada ao comentário pediram à procuradoria para acusar Chávez de incentivar o consumo de drogas e exigiram que o presidente seja submetido a um exame de controlo toxicológico. «Vamos pedir que se faça um exame toxicológico ao presidente da República, como se faz a qualquer pessoa, a qualquer jogador», disse o líder da oposição Antonio Ledezma, do pequeno partido Alianza Bravo Pueblo. «Mas o mais grave é que é uma apologia ao consumo de drogas enquanto se exibe como um homem forte, como um homem vigoroso».

Alberto, Doutor, Presidente, sempre fomos amigos, pá!

Ainda hei-de ver o Nunes na Ginjinha a comer bolas de berlim

O Nunes, esse ponto (final).

Bom dia. Hoje eu faço duas perguntas.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Chamarrita, sapateia, eu quero é contradizer.

Imperdível o que (ainda) se passa aqui, depois disto e, sobretudo, disto. E é para continuar, alma até almeida, bamos botar opinião e fazê-la ouvir no Largo de S. Pedro (sim, eu gosto de entrar por aquele lado, e então?). Chamarrita, sapateia? Não. Bálhinho. De gente boa, caramba! Adoro a minha terra!! Jássessabe.

O pessivinte continua a cair, como se vê.

Está caído, vertical mas para baixo, o pessivinte.

O mercado está em crise, dizem os jornais, dizem os economistas, diz o Presidente, diz o Primeiro Ministro, diz o ministro Teixeira dos Santos, digo eu e diz a minha vizinha Ofélia, com toda, toda a certeza. Não lhe perguntei, mas sei que ela adora dizer coisas.

Mano L também diz o mesmo, mas assim, como se vê.

Chama-se 'mercado bolsista apanhado com as calças na mão', esta ilustração de Pedro Vieira que conta a história do tal pessivinte. Mais uma roubada, às claras, daqui.

Que querem? Pelo meu pessivinte eu faço tudo.

O docinho presidencial

De visita a Arouca, o Presidente da República foi provar os docinhos conventuais à cozinha do Mosteiro. E provocou a gargalhada geral quando, bem humorado, fez a graça do dia: «A ASAE já esteve aqui?», quis saber Cavaco, em tom maroto. Depois da gargalhada cúmplice de todos, esclareceu. «Tem que haver bom senso em tudo na vida, na política também», disse o Presidente, no dia em que António Nunes sua as estopinhas no parlamento nacional, a tentar explicar aos deputados da nação o difícil de ser explicado.

Claro e lapidar, quero crer que Cavaco Silva fez mais pelo seu consulado com este dito, em termos de simpatia e identificação com o povo que representa, do que com os discursos de laudas mil e opiniões de enigma. Eu cá nunca pensei bater palmas a Cavaco Silva, confesso, mas lá que o Presidente mostrou hoje ser capaz de acabar com um tabu tão bem como criou outros no passado, lá isso é verdade. Tão oportuno, tão docinho, tão conventual e tão consensual é que eu não esperava.

Portugal e o medo

Lá pelos idos de 1979, em pleno século passado, portanto, estava eu em Tel-Aviv mais um grupo de três amigos, todos armados em homens. O mundo era nosso e de mais ninguém. A vida sabia a rosas e sempre a pouco. A felicidade estava à mão em qualquer parte, a novidade era constante. Poupo-vos os detalhes da aventura, porque fomos, como fomos, onde estivemos e os meses de tropelias por terras de Moshe Dayan. Conto-vos um episódio apenas, porque a propósito da actualidade deste Portugal que é de todos.

Mal teria talvez passado um mês e já sabíamos as regras da casa. A primeira lição práctica tivemos na própria noite da chegada. Poucos minutos depois de estarmos os quatro sentados na esplanada do 'Café do Francês', ponto de encontro ao tempo dos portugueses em Israel, em plena Ben Yehuda, a principal avenida de Tel Aviv, vazia áquela hora, pára um tanque bem na nossa frente, do outro lado do passeio. Cena de filme, juro. Abre-se aquela escotilha em cima e sai um militar, que desce do tanque em três pulos e entra numa lojeca para comprar tabaco. Sai, a abrir o maço, entra para o tanque e arranca, numa normalidade que nos fez cair o queixo, chegadinhos do Portugal das revoluções com flores. Lição número um, convenhamos.

Pois cerca do tal quase mês depois, eu e o meu amigo Dinis Queiroz (vivinho da costa e ainda hoje uma peça de artilharia, digo, de antologia) embarcamos num autocarro, sete e pouco da manhã, percurso Ramat/Tel Aviv. Uma viagem de pouco mais de meia hora até terminar na central de camionagem cujo nome já me escapa à memória (era qualquer coisa diferente de Arco do Cego, isso eu sei, mas o sítio era parecido só que maior). Dormitámos no caminho, os dois. Acordados à chegada, saímos ainda ensonados e só despertamos para a realidade quando, depois de ter saído do autocarro e andado umas boas dezenas de metros, percebemos que se junta uma pequena multidão em redor do machibombo onde tínhamos viajado. Curiosos, voltámos para trás. Num ápice apareceu a polícia, muita polícia, grupo de intervenção com coletes e viseiras, uma escandaleira de se lhe tirar o chapéu. Tudo calmo, sóbrio, profissional, rotineiro. Ficámos para ver, claro. Nunca tinha visto um robot daqueles que eles meteram no autocarro, equipado com camera e detector de explosivos, manejado por controlo remoto por uma data de polícias deitados no chão no lado de dentro do perímetro de segurança. Nós, eu e o impagável Dinis, estávamos do lado de fora, suficientemente longe para estarmos seguros mas perto o bastante para vermos todos os pormenores. Quando finalmente sai uma das viseiras com colete e com um saco na mão, esquecido no autocarro, o meu coração gelou. Mas não tive tempo de dizer ai. O meu amigo Dinis, essa peça de antologia que não falava uma palavra de inglês, salta o cordão de segurança e corre aos gritos até ser detido: «Ize máine! Fachavor... ize máine..lanche...ize máine!!».

Não fomos presos, é certo, embora eu tenha passado a primeira de uma longa lista de vergonhas. Fomos expulsos de um Kibbutz, dois meses mais tarde, por aquela praga (de quem sou amigo ainda hoje) ter gasto as senhas de comida de um mês numa festa para uma namorada, gira e soldado do exército, que arranjou. Mas presos nunca fomos. Como acredito que não será o dono da mochila que hoje fez parar o metro de Lisboa por suspeita de ataque terrorista.

Pensei em Israel a manhã toda. Em como eram diferentes as nossas realidades enquanto países, na altura. E em como se vão tornando perigosamente semelhantes, nos dias que correm. Passaram vinte e oito anos, quase vinte e nove, pelas minhas contas, até eu ver parar o metro em Lisboa por medo legítimo do terrorismo internacional. Nessa altura, há vinte e oito anos atrás, eu sentia-me cidadão de um mundo que queria meu. Queria igualdade de respeito pela grandeza pátria e orgulho luso, o que ainda me parece razoável e legítimo. Mas hoje, muitos mortos depois, dei por mim a querer ser apenas um provinciano que mata o porco no quintal, bate palminhas no vira, faz cacholeira em casa, vai de cana por fumar e cozinha com colheres de pau à revelia do nunes. E que não se importa de estender a mão à gorjeta da civilização, do Algarve aos Açores, desde que façam o favor de deixar os meus fora dessa guerra que nos rouba a vida simples do dia a dia, numa explosão de nojenta crueldade, em nome de ideais que não aumentam a minha reforma nem reformam a minha saúde.

A coisa, a dúvida e o razoável. Na América, claro.

Larry entrou na casa de banho do aeroporto de Minnesota para um xixizito rápido. Ou talvez não, who knows. De cara para a parede, olho no azulejo, alma no esguicho e perna aberta a novas aventuras, naquela postura mijante de quem não quer a coisa, Larry quis a coisa quando olhou para o lado e viu um homem que lhe agradou. Como o código morse não ajudaria na circunstância, Larry terá optado pelo mais internacional código cio, dando toques repetidos com o seu pé no pé do vizinho do lado e fazendo, por baixo da divisória dos compartimentos da casa de banho, sinais explícitos de que queria ter sexo.
Tivesse a estratégia dado resultado e três coisas não aconteceriam. Larry não teria sido preso. Eu não estaria aqui a contar a história. E o Partido Republicano norte americano teria sido poupado à dor de cabeça de mais um escândalo sexual.

É que Larry era e é Larry Craig, senador republicano do Estado de Idaho. E o pé da coisa do lado pertencia a um polícia à paisana que não quis a coisa, por assim dizer. Vai daí prendeu o senador no acto e deu origem a mais um estendal de porcarias privadas na corda há muito esticada do púdico voyeurismo americano. Se uma mama da Janet Jackson já é um hit, imagine-se o lugar que uma pila de senador não tem garantido no top ten do salivar da américa.

Acusado de conduta desordeira e assédio sexual em local público, Larry Craig pediu agora ao Tribunal do Minnesota que lhe retire a acusação de conduta desordeira, e a União Norte-Americana para as Liberdades Cívicas lançou uma campanha defendendo que praticar sexo num compartimento fechado de uma casa de banho pública é um acto privado.

A União escuda-se numa decisão tomada há 38 anos pelo Supremo Tribunal do Minnesota, que concluía que qualquer pessoa que tem relações sexuais numa divisória fechada de uma casa de banho pública "tem uma razoável expectativa de privacidade". Isso significa, diz a União, que o Estado não pode provar que Craig estava a convidar o polícia para sexo em público - assim sendo, mesmo que tenha existido convite, este não foi ilegal. Razoável. E sem dúvida.

"O Estado não pode provar para além de qualquer dúvida razoável que o senador Craig estava a convidar o agente para algo mais que uma intimidade sexual que não teria chamado a atenção num compartimento fechado numa casa de banho pública", é o argumento de base desta campanha que, por mais sucesso que venha a ter nos seus objectivos, dificilmente fará esquecer este episódio. Depois do cantor George Michael ter sido apanhado com a boca na botija e o senador Larry com o olho na dita, vai chegar o tempo em que as casas de banho públicas vão precisar de um zero zero nunes em cada urinol, a bem da decência e dos bons costumes, só para acabar com essa tal dúvida que mostra ao mundo o que é razoável na América.