Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Paulo Portas, Jaime Siva, José Sócrates, insultos, ofensas e pão.

Se me perguntarem, Paulo Portas deu um tremendo tiro no pé ao empolar a questiúncula tida com o Ministro da Agricultura, Jaime Silva, nascida no trocadilho infeliz entre políticas de calote e caloteiros. Num registo emocional com alguma perturbação, o líder da bancada centrista baralhou as bolas sem a sua habitual destreza e hoje, no debate quinzenal com o governo, despejou mais uma saraivada em causa própria. Ao interpelar o Primeiro Ministro de forma estrondosa ("não tenho medo de si","hoje perdi todo o respeito que tinha por si","teve toda a oportunidade de ser decente"), ao carregar nas cores do insulto e da sua consequente ofensa pessoal e ao levar para o parlamento, em dia de assembleia magna, um confronto directo que quis colocar nos limites do relacionamento político e institucional, pisando mesmo o risco da afronta inter-pares, tudo à volta de uma questão com duvidosa legitimidade e cujo lugar, naquele momento e local, é igualmente questionável. Uma manobra escusada, digo eu.

Ao exigir de Sócrates que este se demarcasse de Jaime Silva na circunstância em apreço, o líder do CDS pede o impossível: que um primeiro ministro se demarque publicamente e em sede parlamentar de um ministro do seu governo ali presente. Portas esperava o quê? Que Sócrates batesse na testa e exclamasse. "Ó Dr! está cheio de razão! Sr. Ministro Jaime Silva, pensando bem o senhor não procedeu bem!"? Era isto? Ao afrontar José Sócrates com a afirmação pública e tonitroante da perda de respeito ('desde hoje'), Portas coloca na questão um indisfarçável cunho pessoal e definitivo. É uma manobra política perigosa. Desastrosa, diria mesmo.

Para já, na evolução de mais esta pantomina circense de duvidosa eficácia, Paulo Portas terá empenhado ainda mais a sua credibilidade pessoal e política, (que já teve melhores dias, convenhamos), ao anunciar com fanfarra que não só vai processar Jaime Silva judicialmente, mas também que o seu advogado será Garcia Pereira, uma escolha com inegável mensagem de seriedade de intenções. Cá estaremos todos para ver e ouvir mais, muito mais estou certo, sobre mais este fait-divers da cada vez mais revisteira política à portuguesa. As cenas dos próximos capítulos estão já em fase de produção, seguramente. Mas quem quiser saber o que se passou hoje no parlamento em dia de debate institucional com o governo, qual foi o grande assunto do dia, o que ficou para a história da sessão, ninguém se vai lembrar de ter ouvido falar sobre o pão, a paz, saúde, habitação. Aquelas minudências do nosso viver. Não, nada de pão. Para dizer a verdade, foi mais circo que outra coisa.

Um Raposo no país das maravilhas



Lá diz a velha sabedoria popular que, supostamente, uma pessoa consegue enganar toda a gente durante algum tempo ou alguma gente durante todo o tempo. Mas é aparentemente ponto assente que não se consegue enganar toda a gente durante todo o tempo, uma proeza que o homem hoje em julgamento no tribunal de Portalegre, professor na escola local, foi capaz de manter com sucesso durante mais de trinta anos. Trinta anos. Uma vida, ou quase. Vamos então à história de mais este artista português do arame, essa verdadeira arte nacional. António Raposo começou por ser professor de Educação Física há mais de trinta anos, passando depois a professor de matemática, presidente do Conselho Directivo da Escola Básica e Integrada Cristóvão Falcão e, finalmente, dirigente máximo do Agrupamento de Escolas em Portalegre. Tudo isto a par com uma excelente reputação académica e docente, mantida pelo próprio e cultivada pelos seus alunos, encarregados de educação, colegas docentes e população em geral. Sob a sua batuta e ascendência hierárquica estavam mais de mil e duzentos alunos - repito: mil e duzentos alunos - e cento e cinquenta professores que a ele prestavam contas, sem que um único incidente tenha ocorrido para ameaçar a saudável e equilibrada convivência de todos com todos.

Assim se passaram trinta anos, um pouco mais, para ser rigoroso. Até que no ano passado uma denúncia chegou ao Ministério da Educação, carregando a bomba da incrível verdade: António Raposo era uma fraude, já que não era possuidor das necessárias qualificações académicas para ser professor, quanto mais presidente do Conselho Directivo, ou responsável pelo agrupamento escolar da região. Rebentada a bronca, António Raposo foi suspenso e foi-lhe instaurado o respectivo processo disciplinar com vista à sua expulsão da função pública e do ensino em particular, tudo isto sem prejuízo do natural e consequente procedimento criminal instaurado pelo Ministério Público e que hoje mesmo conheceu mais uma sessão de julgamento. António Raposo terá confessado os seus crimes, a saber: falsificação de dois certificados de habilitações académicas que não possuia e que lhe permitiram levar a cabo esta proeza de enganar toda a gente durante todo o tempo que passou nestes mais de trinta anos. E terá mostrado o arrependimento possível e esperado em quem só é desmascarado depois de três décadas de engano generalizado, pondo em questão todo um sistema que se revela cheio de buracos por todo o lado. António Raposo responde agora por usurpação de funções, falsificação e burla agravada, aguardando-se com expectativa o desfecho desta inacreditável aventura de mais uma Alice neste país das maravilhas que é Portugal.

Lição de Português

E que tal uma sopinha de letras, uma lição de português dada a sorrir com carinho de professor açoriano? Escreve-me o meu amigo Daniel de Sá: «Mando-te uns versos rimados, posivelmente publicáveis, que pode ser que ensinem uma nisca de Português a alguns leitores e, sabe-se lá, talvez te façam sorrir.» Junta-lhe «um abraço enorme» e deixa-me feliz, como sempre. Um luxo, este fruto da minha ilha.

Em baixo: "Lição de Português".
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá.
Trocas o “xis” com o “ésse”?
Procura igual em Inglês.
Splendid não te parece
Esplêndido em Português?
“Dispendere” é bom latim.
Gastar dinheiro compensa,
Se o despendes com o fim
De encher, e bem, a despensa.
Podes ter uma obsessão,
E podes ser obcecado.
Faz acto de contrição
Se acaso já tens errado.
Obcecar é ficar cego,
Mesmo se é paixão simpática.
Como homem, faz-te estratego
Para escolher bem a táctica.
Confundes o indirecto
E o complemento directo?
Pois pensa no Brasileiro
Que é Português verdadeiro,
Um pouco mais a cantar.
Se ouves dizer “dei a ele”,
Para o mesmo afirmar
Diz “dei-lhe”, que é o legal.
Ou, se ouvires “eu vi ele”,
Não hesites, diz “eu vi-o”,
À moda de Portugal.
Confundes com os pronomes
A desinência verbal?
Pois aceita o desafio:
O “mos” em lugar dos nomes
É caso raro, tão raro,
Que convém é não dizê-lo,
E melhor não escrevê-lo,
Porque te fica mais caro.
Se “mos” puderes trocar
Pela forma feminina,
Então podes separar.
Como tens cabeça fina,
Vou já exemplificar
Com damas e seus bordados,
Ou com damas e com rendas.
Oh! que lindos! Dá-mos, sim?
(E só te pedi as prendas
Dos seus dedos tão prendados.)
Mas se eu te dissesse assim:
Oh! que lindas! Dá-mas, sim?
(Bem podiam ser as rendas...
Ou as damas. É o fim.)

Bom dia. Hoje eu também dizia que não, obrigado, mas não.

«Ministro respeita recusa de Almeida Pereira dirigir Polícia Judiciária do Porto»

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Aviso à navegação

Ando avesso às palavras, escondido das ideias, arredio da escrita, fugido do teclado. Um autêntico clandestino dentro mim próprio, nesta deslumbrante e cansativa viagem que nem sequer programei. Mas onde vou e sigo, por escassez de opção, pronto, está bem, não se discute. Às vezes assim, como estou agora. Cansam-me os outros, quase tanto como eu me canso a mim próprio. Aborrecem-me as suas vidas, adormecem-me as suas histórias, irritam-me as suas raivas, entediam-me os seus dramas. Não me arrancam um esgar as suas graças, muito menos um sorriso, que é o que me faz falta. Estou anti-outros, quase carente de açaime para socializar com os que habitualmente me encantam com as suas fraquezas, as suas merdas, as suas humanices, enfim. Estou que nem posso, impróprio para consumo. Todas as reclamações pelo meu estado actual, bem como todas as reclamações pelos meus estados passados e (porque não, já agora?) por todos os meus estados futuros, reais ou imaginários, devem ser endereçadas a Deus, Céu, (código postal desconhecido), ao António Nunes da ASAE, ao Gabinete de Defesa do Consumidor, à minha mãe ou ao meu cão, aqui na terra. E muito obrigado a todos, naturalmente. Tenho dito.

Bom dia. Hoje eu digo só boa noite.

E baixinho.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Este país não é para velhos?

Menezes Sic

Luis Filipe Menezes foi ontem à noite entrevistado por Ana Lourenço na SIC Notícias. Aqui ficam algumas citações significativas do pensamento e da postura política do actual líder do PSD. O líder da oposição em Portugal.

.«Está quase toda a gente contra mim menos o povo.»

.«Esta entrevista começa bem, começa de uma forma aguerrida. Nota-se que nós não combinámos a entrevista. E também tenho o privilégio de saber que nenhum de nós depende um do outro, são logo à partida regras bem claras»

.«Há uma opção que o PSD vai fazer, quando ganharmos as eleições: o canal público de televisão vai deixar de ter publicidade e vai ser mesmo um canal de serviço público. Eu sei quanto é que isso custa e o que vai ter de ser renegociado. São alguns quilómetros de auto-estrada. Há opções a fazer. Deixar o mercado da publicidade para os privados é uma opção de fundo que faremos quando formos Governo. É um compromisso».

.«Comecei esta entrevista quase a gracejar. Mas olhe que um dia, quando for primeiro-ministro, não vou fazer lei, mas farei doutrina, farei discursos no sentido de que um grande canal generalista como a SIC um dia depois de ter o primeiro-ministro perante milhão e tal de espectadores possa ter o líder da oposição perante um milhão e tal de espectadores. Essa é que é a equidade em democracia, mesmo sendo um canal privado».


Esqueletos no armário de mais uma Casa Pia

«As autoridades britânicas vão reiniciar as escavações num antigo orfanato na pacata ilha de Jersey, em busca de restos mortais de crianças que poderão ter sido vítimas de abusos sexuais nos anos 70 e 80. A situação está a chocar o Reino Unido, sobretudo depois das declarações do ex-ministro da Saúde, Stuart Sycret, insinuando que o caso teria sido encoberto pelas autoridades durante vários anos. As escavações no antigo orfanato Haut de la Garenne - que mais recentemente tinha sido transformado em pousada de juventude - tinham sido interrompidas. A polícia está a averiguar 27 casos de eventuais abusos sexuais a crianças de ambos os sexos entre os 11 e 15 anos, perpetrados nos anos 60, 70 e 80; e ainda a razão pela qual não tinham sido investigadas as muitas queixas feitas no passado. Entretanto, foi criada uma linha telefónica para receber denúncias sobre este caso e 150 pessoas já telefonaram dizendo ter sido vítimas de abusos sexuais em criança.»

Parole perchè? Capice?

Pedagogia de Lula

Afinal conheço mais actores do que pensava

Assis feliz é quem o diz

O presidente da Estoril-Sol, Mário Assis Ferreira, congratulou-se hoje com a decisão do procurador-geral da República de abrir um inquérito ao denominado "Caso Casino Lisboa" relacionado com alterações à Lei do Jogo feitas pelo Governo de Santana Lopes com alegado favorecimento à empresa Estoril-Sol. Em declarações à Lusa, Mário Assis Ferreira disse que nas últimas três semanas só teve "dois momentos de alguma, tanta quanta é possível, satisfação": o primeiro, quando diz terem as declarações dos seus interlocutores governamentais à data dos factos comprovado o que tem vindo a dizer. E o segundo quando o "PGR decidiu mandar para investigação oficial este caso".

Recorde-se que o procurador-geral da República decidiu hoje abrir um inquérito ao denominado "caso Casino de Lisboa" relacionado com alterações à Lei do Jogo feitas pelo Governo de Santana Lopes com alegado favorecimento da empresa Estoril-sol. Esta informação foi avançada à Lusa por fonte oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR) e foi tomada numa reunião entre o procurador Pinto Monteiro e a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Cândida Almeida. Chamado a comentar o facto, Assis Ferreira foi igual a si próprio, mantendo a exacta postura que vem fazendo dele o campeão de todas as fintas em qualquer terreno e contra qualquer adversário. «O primeiro momento de satisfação ocorreu no final da passada semana quando se comprovou que inequivocamente através das declarações das pessoas que sempre identifiquei como os meus interlocutores governamentais - o ministro Adjunto, José Luís Arnault, o secretário de Estado do Turismo, Pedro de Almeida, e o então inspector-geral de Jogos, Joaquim Caldeira, que elaborou o diploma - vieram a público comprovar as minhas declarações», palpitou Assis; «O segundo momento de satisfação decorre da decisão do senhor procurador-geral da República mandar para investigação oficial este caso na medida em que em sede própria se irá apurar a verdade e que permite revelar a credibilidade e a transparência que a Estoril Sol sempre revelou neste processo e como sempre afirmei», esclareceu. E foi aqui que eu caí na gargalhada.

Já não é só o facto de Joaquim Caldeira, por exemplo, ter vindo a público não confirmar mas sim enterrar Assis e Arnault, para já não falar de Carlos Tavares e do próprio Durão Barroso, todos salpicados pela mesma água ardente da suspeição de interesses. É também e sobretudo o uso da palavra 'transparência' que, assim baritonada na voz de Assis, fica flácida e ajustável aos cantos e recantos mais improváveis desse imenso labirinto que é a verdade dos interesses no jogo em Portugal. Irrepreensível, este Dr. Mário Assis Ferreira. Um profissional.

Bom dia. Hoje eu vejo o mundo a mudar

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Acabaram-se os punhos de renda

E pronto, já se estranhava esta campanha presidencial para a cadeira de maior influência no poder político mundial. O confronto entre as duas alternativas possíveis para a candidatura final dos democratas norte americanos, Barack Obama e Hilary Clinton, vinha sendo colocado quase exclusivamente ao nível do debate de ideias e servido à nação e ao mundo com a cordialidade empenhada, aparentemente de ambos, num desfecho eleitoral digno, diferente do usual na América e politicamente dignificante. Pois a primeira nota dissonante surge agora, com a divulgação de uma fotografia de Barack Obama envergando turbante e trajes tribais islâmicos, tirada em 2006 no decurso de uma visita oficial do senador do Illinois, agora candidato, a Wajir, uma região do Kenya sob forte influência da maioria étnica Somali. A foto, considerada pelos analistas como damaging material, circula agora na Internet, depois de 'misteriosamente' cair no colo do Drudge Report, um meio de comunicação useiro e vezeiro nestas diatribes politiqueiras de assassinato de carácter em plena campanha eleitoral.
A troca de acusações está pois instalada e vem, como é hábito, acompanhada pelos desmentidos do costume. Neste caso algo extemporâneos, uma vez que o próprio Drudge Report já admitiu ter sido o staff da campanha de Hillary quem enviou a foto para publicação, logo no dia imediatamente a seguir a um violento ataque verbal lançado pela senadora de Nova York sobre o seu rival na corrida à Casa Branca, uma espécie de pré-aviso, ao que parece, de uma nova realidade agora em vigor até à decisão democrata sobre o escolhido para o combate final com McCain: Obama ou Hillary? Até lá, aparentemente, vale tudo.

And now something completely diferent

Já dizia o Botto: 'sento-os nos joelhos, vou-lhes ao cu e dou-lhes conselhos'...

Bom dia. Hoje até o meu tempo é extra. Porque sim.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Voltasti, levasti

Sim, eu sei, é verdade. Estive um dia sem blogar, um dia apenas, ocupado, envolvido, absorto em outras realidades da existência. Menos prosaicas, talvez. Mas mais imediatas, chamemos-lhes assim. Um teve que ser, se é que me entendem. Pois saibam os amiguinhos que a quantidade de mocada que estou a apanhar em correio privado deu-me para entender duas verdades irrefutáveis, a saber: a clientela é fiel e tem bom gosto, é certo, mas é exigente como o caraças, bolas, bolas, bolas!! O que explica finalmente por que razão D. Sebastião não se arriscou a voltar a pôr os penantes cá na terra, depois da sua famosa ausência sem aviso. Safa, que o povo é sereno mas pouco! Muitas desculpas, sim? E obrigadinho, sei lá...

A grande Caldeirada

«Joquim Caldeira, que dirigiu a Inspecção-Geral de Jogos até 2006, afirma – em entrevista que o SOL publica na edição impressa deste sábado – que foi José Luís Arnaut, ministro-adjunto de Durão Barroso, quem acordou com a Estoril-Sol a entrega do edifício do casino de Lisboa a esta empresa. Caldeira contraria assim as declarações feitas na semana passada por Arnaut, segundo as quais só teria acompanhado a negociação com a Estoril-Sol na fase em que se pretendia instalar o casino no Parque Mayer (hipótese então chumbada pelo Presidente da República Jorge Sampaio). «Em nome da verdade, entendi que não podia deixar as coisas como estavam», afirma Joaquim Caldeira, acrescentando: «Foi ele quem esteve sempre no centro do negócio». O ex-inspector-geral de jogos reage também às declarações do antigo ministro da Economia de Durão Barroso, Carlos Tavares: «Este processo foi avocado pelo ministro-adjunto. O ministro da Economia, Carlos Tavares, deixou que tudo lhe passasse completamente ao lado».»

Um trio que não dobra

A prova da ausência de prova

Mas....há lá muitos, é?

«Transexuais debatem discriminação na AR »

Bom dia. Hoje eu fui ali mas já vim.

Ué, calma, oxente.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Carta aberta a quem me escreve

Caro colega. Ooops! Comecei mal. Não devo chamar-te colega. “Colegas são as putas”, dizia Reinaldo Ferreira, o nosso Reporter X, numa frase que ficou célebre no jornalismo nacional. Caro amigo também não. Não porque o não sejas hoje, mas porque não sei se o serás amanhã. No jornalismo é assim, há muito disto, infelizmente, muito lobby, muito grupinho, muito Abel de manhã e Caim à tarde. O que acaba por ter a sua lógica, convenhamos. Afinal, não se pode dar à língua entre amigos, se alguns a trazem ocupada a polir as botas de uns ou a humedecer os recantos de outros. É uma questão de sobrevivência, compreende-se. É a lei da vida, suporta-se.

Mas, meu caro, entendamo-nos: os jornalistas não são nem piores nem melhores que as outras pessoas de outras profissões. São seres humanos que sofrem dos mesmos defeitos de fabrico, digamos assim, que carregam os mesmos pequenos quês de toda a gente em geral. Por obrigação profissional, vêem-se obrigados a falar muita vez sobre as vidas dos outros. Regra geral e por condição deontológica, sempre e só quando o interesse público o justifica. Fazer isto com rigor e isenção não é, acreditem, a melhor maneira de aumentar o número de amigos chegados. Fazê-lo sem rigor e de isenção comprometida por uma ou trinta moedas de prata é uma arte complicada, uma espécie de andar no arame julgando que se tem rede. Se a coisa corre bem, fica-se muita vez bonito no retrato. Quando corre mal é que é o diabo, porque a rede raramente lá está. Pelo sim pelo não, a bem de um soninho descansado, sugiro a correcção permanente. Sempre.

Nada disto é novidade para ti, que fazes jornalismo num meio pequeno e sem a lupa de uma opinião pública forte e com vontade de saber as coisas, doa a quem doer. Para ti que começas agora é importante que saibas as linhas disponíveis para a cozedura que vais ter de enfrentar todos os dias, todas as semanas ou todos os meses. Para ti que já cá andas há muito não há crise. Já dominas, já controlas a arte do arame e tens até já na manga uma ou duas redes de reserva para o caso de dar barraca alguma indiscrição que te escape e o tombo surgir. Que seja pequenino, se tiver que ser. Mas de preferência que não aconteça.

As sociedades evoluem em velocidade global, nos dias de hoje. As notícias circulam mais e melhor contadas, com mais rigor, com mais profissionalismo. O jornalista já não é um curioso. É um operário da informação. E assim as notícias, não os jornalistas, vão mudando o mundo. Todo ele, aqui o nosso mundinho também. E todos desejamos que seja para melhor. Num meio pequeno e com poucos recursos, a competitividade é saudável, a concorrência estimulante, mas a solidariedade de classe, a decência inter-pares, é mais fundamental que nunca para a qualidade do produto final, que é a soma de todos os produtos finais que todos os jornalistas, estagiários e colaboradores de toda a ordem criam e constroem, todos os dias e para toda a gente, nesta terra em que vivemos. Para ti, meu caro, tenho dito.

Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer

Quantos são, pá, hã?? Quantos são, hã?? Quantos são?!?

Bom dia. Hoje eu estou meia metade de um quarto de mim

Ou menos.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Chove em Portugal. Lisboa nada.

«O mau tempo provocou, até às 16:30, 1360 ocorrências no distrito de Lisboa, obrigou a evacuar 72 pessoas e deixou desalojadas outras 44, segundo o último balanço da Autoridade Nacional de Protecção Civil. Os meios de protecção e socorro accionados envolvem 2.914 homens, 900 veículos, um helicóptero que está de prevenção no aeródromo de Tires, e três botes, além de um grupo de reforço do distrito de Leiria. As chuvas intensas acompanhadas de vento forte já fizeram pelo menos uma vítima mortal, estando a ser procurada uma outra vítima, de sexo feminino, na sequência da queda de um carro na ribeira de Belas (Pendão). A ANPC refere ainda a activação do Plano Municipal de Emergência de Loures às 12:25 e inundações em vias e túneis, mas salienta que a situação tende a normalizar em todo o distrito, tendo sido já iniciados trabalhos de limpeza nas zonas atingidas.»

500 000 soldados

Dia de chuva, cinzento lá fora. Dia complicado, cheio de afazeres, tempo apenas para ver o correio assim de fugida e pouco mais. É Daniel de Sá que me envia uma nota: «Tentando compensar a Leonor, envio este poema de Inácio de Sousa, um obscuro militar português que morreu durante a campanha da Rússia de Napoleão. Já estava doente (de tifo ou disenteria) quando o escreveu para a namorada.» Uma nota de quinhentos, portanto. Quinhentos mil.

Em baixo: "500 000 soldados"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá


Tu não verás quinhentos mil soldados
Morrendo cem mil vezes cada dia,
Na vida menos já esperançados
Que na morte, que Deus não abrevia.

Por estes campos, onde tudo é triste,
E todos os destinos desgraçados,
Feliz de ti, meu anjo, que não viste,
E não verás quinhentos mil soldados.

Não só tiros e espadas cá se temem,
Que em menos sangue é mor a agonia.
Cem mil vezes padecem, cem mil gemem,
Morrendo cem mil vezes cada dia.

Não ouvirás as queixas vergonhosas
De tantos mil valentes humilhados,
Que procuravam famas gloriosas,
Na vida já tão pouco esperançados.

Não me verás, meu anjo, não verás,
Mesquinho e triste neste último dia,
Já não esp’rando em ti encontrar paz,
Mas na morte que Deus não abrevia.

Good morning. Today I'm newborn.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

O Gago da banza

Esta figura que aqui vêem é o meu amigo Alfredo Gago da Câmara, diamante de gema açoriana, uma espécie de arrebimbómalho da guitarra portuguesa, enfeitado com um coração de ouro e um maufeitiozinho de antologia, teimoso como três mulas. O que é um arrebimbómalho da guitarra portuguesa? É alguém que nos faz trinar por dentro, a cada gemido solto por aquelas cordas que ele prende e faz soar como poucos. É alguém que nos embala na melhor companhia para qualquer viagem ao fado da nossa vida, um músico de eleição e a minha rede preferida sempre que salto para o trapézio. E o que é um coração de ouro e um maufeitiozinho de antologia, teimoso como três mulas? É o meu amigo Alfredo Gago da Câmara.

Um dia, atrevidote e armado em poeta, mandou-me uns versos, uma daquelas quadras piplares antigas, a desafiar-me para a glosa. «
Cabelo branco é saudade? Quem o disser exagera! Às vezes, quando Deus quer, cai neve na Primavera.» E eu, atrevidote e armado em poeta, mandei-lhe estes versos de resposta à encomenda. Hoje lembrei-me dele e deles, por tabela. E dos palcos que pisámos juntos, dos espectáculos, das palmas, das fífias, das conversas, das partes gagas, das histórias que só nós dois é que sabemos e dos cabelos brancos que ele me pôs nestes anos de amizade pura e dura. Maufeitiozinho de antologia, teimoso como três mulas. Cabelo branco é saudade? Quem o disser exagera.


Sinto que estás a mudar
a cada dia que passa.
De dia tens outro ar,
à noite tens outra graça..
Estás bem melhor, digo eu,
na mais fina flor da idade.
E se o cabelo embranqueceu,
cabelo branco é saudade.

Imagina que nevou.
Que, depois de um frio de morte,
o ar, de tão frio, gelou
e o branco ditou-te a sorte:
"Será grisalho o amor
que esse teu coração espera
".
Poderia ser pior?
Quem o disser exagera.

Há quem viva e morra assim:
sem nunca saber o amor.
Os dias não têm fim
e à noite, então, é pior:
nada é o que parece.
E não adianta querer,
que o amor só acontece
às vezes, quando Deus quer.

Por isso dá por feliz
a hora em que encaneceste.
Se o teu branco é de raiz
é um sinal que cresceste,
já não és grande, és maior,
acabou a longa espera.
No Outouno do nosso amor,
cai neve na Primavera.

Bom dia. Hoje eu estou clarificado.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Aspirina Duracell

E dura, e dura, e dura, e dura. E bem dura, diga-se. A discussão, claro. Aqui.

Telmo, Assis, o dinheiro do jogo ou o jogo do dinheiro

Chupa isso, vamos partir.

Bom dia. Hoje eu já não o posso ouvir a garantir coisas

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Crianças, já para a cama. Vou ser malcriado, porra!

Sou uma besta. Não conheço o articulado do programa reformador do ensino da música em Portugal, cada uma das razões tecnico-politico-administrativo-candentes que motivam a senhora Ministra da Educação do Governo do meu país a acabar com o ensino especializado da música cá na terra. As razões para mudar todo o ensino da arte musical. Não sendo artísticas, só podem ser financeiras. Mas podem ser artísticas. Podem não ser financeiras. Critérios artísticos, não contabilísticos. Podem ser, talvez. Mas se assim é, uma perguntinha, se faz favor, já agora: por que raio estão todos os artistas todos contra, todos, e só há políticos a favor? Sim, um deles toca flauta, ou ferrinhos, ou lá o que é, mas não deviam ser os artistas a ensinar como se ensina a arte? Ou os senhores ministros é que sabem dar música à gente, ninguém mais? A senhora ministra sabe o que está a fazer ou é só partiturra, sim porque sim?
O dó dos artistas é o sol dos políticos, não há dúvida. Puta que os pariu.

Ninguém nasce em Porto Santo

Ninguém nasce no Porto Santo, é sabido. Parir é na Madeira, no Hospital do Funchal. Acontece com frequência igual à dos bilhetes premiados. Não é que lá não haja lotaria, joga-se na mesma, bué, lá na ilha segunda. Mas acerta-se só às vezes, é normal, é assim em toda a parte. A razão que chamou este reparo vi-a hoje no Jornal da Noite da TVI, uma porto-santense que deu à luz no Aviocar da Força Aérea, que não chegou a tempo de deliverar o crianço, ainda embrulhado, no Hospital do Funchal. A mãe, feliz, disse com um acerto cuja dimensão lhe terá escapado: «Demorámos vinte minutos, ele é que não quis esperar. Há pessoas na ilha da Madeira que levam mais tempo a chegar ao hospital.» Eu sorri.

Voou-me a memória para uma das reportagens mais doridas que fiz na vida. Não, não me enganei, não quis dizer dolorosas, que se o fosse não estaria tudo igual hoje em dia. Como está. Como tem que estar, se calhar. Falo da Fajã das Galinhas, quinze minutos até ao Funchal, de carro, mas hora e meia da fajã até à estrada, hora e meia, por caminhos de levadas, bordas de montanha até chegar ao pequeno povoado que parece estar ao alcance da mão, visto da estrada. Parece mesmo logo ali. Mas não é, não para quem tem que caminhar em grupos de quatro homens, segurando cada um sua ponta do cobertor que carrega o doente, quantas vezes morto a meio do percurso. Para quem tem de carregar frigoríficos, bilhas de gás, arcas, mobílias, armários, camas e tudo o resto que por lá não nasce, sempre pelos caminhos de meio metro, sempre uma horinha, se for leve. O que vos conto não me contaram. Vi. Estive lá, passei um dia inteiro a ouvir tristezas e mesmo assim a ver sorrisos de gente boa, apenas gente, como eu. Como esta porto-santense que ontem, dia do namoro por excelência, pariu uma nova paixão a bordo de um Aviocar da Força Aérea ainda antes de chegar à Madeira. Porque ninguém nasce em Porto Santo.

«Chipre!!» disse Maria, «Tudo nos acontece!!»

«Um Falcon, avião da Força Aérea, transportava o Presidente de República para o Chipre quando foi obrigado a fazer uma aterragem de emergência em Itália devido a uma avaria»

Há coisas tão bem ditas que eu nem lhes mexo

Foto: Um Recreio Desencantado de Wolfram Hahn.

«Ein entzaubertes Kinderzimmer é o título original do estudo fotográfico de Wolfram Hahn sobre crianças que vêem televisão, galardoado pela UNICEF alemã, com um dos prémios Photo of the Year 2007, no final do ano passado. O rosto das crianças de Wolfram Hahn espelha a influência negativa do Deus TV que, desde meados do século passado, usurpou o lugar do diálogo, da família, dos amigos e do contacto com a natureza, separando pessoas, calando opiniões, impedindo o convívio, minando relacionamentos e acabando com a permuta de ideias. E, sobretudo, criando crianças tristes e apáticas, desinteressadas, anti-sociais e menos desenvolvidas ao nível da linguagem, da concentração e do raciocínio do que outras crianças a quem são apresentadas alternativas mais criativas e saudáveis de entretenimento.»

(lido aqui)

Do portão da casa para dentro

Daniel, querido amigo. Enganaste-me, em privado. Dizes que mandas um 'poema com uma casa dentro' e envias-me um edifício poético com um poeta lá dentro. Resultado? Acendeste-me a saudade de casa. 'E a casa faz falta mesmo quando já não existe. Mesmo quando os seus telhados de vidro são frágeis como a saudade e inúteis como o remorso'. Não resisti, passei por lá só de fugida. Tem as cortinas corridas e as portadas fechadas, mas a porta está sempre no trinco para facilitar a visita. Trouxe-te este enfeite, estava por lá. Tem música própria, a meias com o Paulo Jorge Santos, guitarrista de eleição, e só foi editado há quatro anos. Mas tem uns bons vinte anos de escrito. Nunca mais me enganes.


Hoje, meu amor, esquece o meu nome
não me esperes mais que eu vou para a rua
beber, fugir de mim, gritar à Lua,
brincar de faz de conta até poder.

Hoje, eu digo a todos os meus medos
que em noites de festa eu sou perfeito
e deixo em casa as mágoas e os segredos
que pesam toneladas no meu peito.

Sinto um recado no ar:
"que os ventos da loucura te protejam,
que os sonhos sejam sonhos que se vejam,
que vidas pequeninas temos nós".

Sigo a voz que sopra aos meus ouvidos
os mais lindos versos que há memória
e deixo-me ir, no embalo dos sentidos,
sonhar dias de sol, noites de glória.

Sempre iguais, os dias continuam;
mal acaba a noite lá vou eu
dizer-te que a manhã escondeu a Lua
e a voz dos versos desapareceu,
o sonho que eu sonhava amanheceu,
e a minha fantasia adormeceu.

Aspirina (ainda) a bombar

Chapada, canelada, rasteira, beliscão e tirar olhos, vale tudo menos bombas. Aqui. Ainda.

Depois do portão da casa

Suspeitei logo de provocação rasteira aqui: «Um poeta não pode abrir os braços em grandes abraços, não vá uma seta de remorsos ferir-lhe ainda mais o coração», diz-me Daniel de Sá, cutucando a onça. Mas a certeza da intenção confirmei-a logo a seguir. «O poeta não pode dar grandes passadas, não vá uma seta de saudade obrigá-lo a parar sangrando por tudo o que foi; pior ainda: por tudo o que não aproveitou ter sido», atira certeiro. Termina dizendo, para disfarçar, que isto é um «poema, ou lá o que seja, escrito depois de ler um do poeta brasileiro Lindolf Bell, intitulado “Do portão da casa”». E despede-se com um abraço, calculem. Humpff.


Em baixo: "Depois do portão da casa"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá


O poeta saiu de casa,

passou o portão.

Já não está na casa:

leva-a como escudo,

armadura armada de memórias.

Sonha que teve uma casa

onde havia pai e mãe,

que são outro modo de dizer casa.

Mas nada nos diz da casa.

Talvez cale por temor

de partir o sonho em dois:

a casa que ele teve,

a casa que já não o tem.

Melhor não falar dela,

bom é esquecer o que foi bom

para que haja um motivo menos

a dar razão à saudade.

Os telhados de vidro da casa

são os pontos fracos da armadura.

O poeta não pode abrir os braços

em grandes abraços,

não vá uma seta de remorsos

ferir-lhe ainda mais o coração.

O poeta não pode dar grandes passadas,

não vá uma seta de saudade

obrigá-lo a parar sangrando

por tudo o que foi; pior ainda:

por tudo o que não aproveitou ter sido.

É esta a casa que leva consigo,

como se fosse possível vivê-la,

como se fosse possível ser vivido por ela.

Do portão desta casa o poeta nunca passou.

Não o abriu, para não ter de o fechar,

para não ter de fechar-se

do lado de fora da casa,

do lado de fora da vida.

Quando o poeta fecha o portão da casa,

não pode levá-la consigo,

não pode estar na casa.

E a casa faz falta

mesmo quando já não existe.

Mesmo quando os seus telhados de vidro

são frágeis como a saudade,

inúteis como o remorso.


Bom dia. Hoje eu estou como sempre fui, irritantemente igual a mim próprio.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Aspirina a bombar

Vamos aos factos. Cerca de dois anos e meio depois da publicação das polémicas doze caricaturas do profeta Maomé, os jornais dinamarqueses insistiram e republicaram uma das imagens como forma de protesto contra a tentativa de assassinato de um dos cartoonistas e que levou anteontem à detenção de três pessoas responsáveis pelo plano. Um cidadão dinamarquês, de descendência marroquina, e dois tunisinos foram anteontem detidos por planearem assinar Kurt Westergaar, o cartoonista de 73 anos do jornal “Jyllands-Posten”, o primeiro a publicar os desenhos em Setembro de 2005. Por isso, cinco grandes jornais diários, outros dez mais pequenos, e um diário sueco decidiram imprimir outra vez o polémico desenho, considerado ofensivo e desrespeitador do fundador Maomé. E mais uma vez os protestos chegam do mundo islâmico. Ontem, o Aspirina B publicou a caricatura e o comentário à história. Hoje ainda, a discussão corre livre por aqui, recheada de reflexões para todos os gostos, incluindo as minhas, claro, e de gente melhor. Assim se alimenta o raciocínio, assim engorda o conhecimento, assim cresce opinião de jeito. A conversa, aparentemente, está para ficar. Sem bombas, com violência qb. Imperdível, digo eu.

Estou implodido com este general

Prenda de namorado

No dia dos namorados

Bom dia. Hoje eu digo: só um português para inventar o descanso!

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Ter uma praga na vida

Ter uma praga na vida é ter uma carga de trabalhos nas costas, uma canga que se carrega dobrado e sem hipótese de escolha. Praga não tem primavera, é nada mais que um longo inverno de tempestades, raios e trovões alternados com aguaceiros ligeiros, a suplicar abrigo e a pedir solzinho por favor. E depois lá vem tromba de água outra vez, quando a gente já está esquecida e de calção novo, a banhos noutra praia. É molhado que não seca por mais calor que apanhe. Ter uma praga na vida é uma porra, acreditem.

O ódio é reconhecidamente uma praga, é certo, mas eu cá pergunto a mim próprio se o amor não poderá ser praga pior e mais corrosiva. Ser objecto da paixão assolapada de alguém é tragédia que nos deixa gregos. É nunca saber sequer que se deseja, é ter cá dentro um astro que bem podia ir flamejar outro, se faz favor, vá lá, irra, por obséquio, facilite e areje, pelo amor da santa! Mas nada feito. Foi uma atracção fatal assim que matou o gato ao Michael Douglas, quando Glenn Close acabou com o mito das sete vidas numa panela de água a ferver lá de casa. Não é a curiosidade que mata, é a paranóia. E ser o rosto fixado na imagem do acordar e deitar de alguém que não queremos em nós, mais a sua razão de viver para o resto dos dias, é mais e pior que telepatia de feira, é doença do foro psiquiátrico. Não é caso para brincadeiras.

Ser pragado é pior que ser praxado, na dureza e no tempo da provação. É explicar que não, não, desculpe, não, não dá. E ouvir que sim, sim, desculpe, sim, sim mas. É aparar golpe atrás de golpe sem estocar a espadeirada redentora do contra-ataque, insistindo na defesa por pruridos de nojo que nos vão levando à falência, moedinha por moedinha. E é carregar a cruz de Cristo numa via pouco sacra, onde nada é sagrado para a impiedade de quem nos nega descanso. Pura obessão, teimosia, cegueira, despeito, loucura. Uma tristeza. Uma praga.

Mayra

Sugestão: ouçam isto com os cumprimentos da casa. Mayra Andrade no seu melhor. E tenham um excelente dia.

Bom dia. Hoje eu sigo acreditando

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Auto da Mazurca

Caí no disparate de me confessar chateado com a existência, em conversa com o meu amigo Daniel de Sá. Juro que esperava umas queijadinhas da Vila, uma garrafita de verdelho dos Biscoitos, um litro do meu mar ou um frasco com ar da Maia, o bastante para me fazer feliz. Respondeu-me logo. «Meu caro, se estás aborrecido talvez um texto humorístico te ajude. Este que te mando, e fora os amigos do costume, está inédito. Escrevi-o a propósito da entrada do Paulo Coelho na Academia Brasileira. A cena narrada é verdadeira. Aquela tal Mazurca (nome autêntico) faz colecção de autógrafos de escritores na própria capa. Não sei se não a lava para não apagar as recordações das celebridades, ou se se limita a fazer daquilo o que em arte moderna se chama arte do efémero, ou algo assim, de que só pode ficar memória em fotografias.» E pronto, aceitei e agradeci. Agora publico. E amanhã queixo-me outra vez.

Em baixo: "Auto da Mazurca"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá

Personagens:

Gaúcho

Caipira


Gaúcho – Os sábios da Academia

Escolhem mui bem seus pares.

Caipira – Pois quem melhor poderia

Escolher

Os doutores que poria

Nos nichos dos seus altares?

G – A saber:

São todos da mesma escola.

C – Talvez não... há diferenças...

G – Mas muito fortes par’cenças...

E deram esta de esmola:

Lá conseguiram tirar

Um Coelho da cartola.

C – Tens inveja do proveito?

G – Nem pensar!

À noite, quando me deito,

Dou voltas na minha cama,

Mas nunca perdi o sono

Por um trono,

Quinze minutos de fama,

Ou mais que pão p’ra comer

E roupa para vestir.

C – E que mais querias ter?

G – Querer mais é ter motivos

De carpir.

O que importa é sermos vivos.

C – Cada qual tem o seu teto,

Só nele deve chupar,

Mas não chupe até secar.

G – Pois... e a Mazurca Barreto

Pôs os seus dois bem à vista.

C – Como foi? Conta-me a história.

G – Tinha uma capa assinada,

Por gente muito afamada,

Que quer ficar na memória

De umas quantas gerações.

Com um simples gesto apenas

Despiu-a,

Entre tantos figurões

Ciosos de suas penas.

C – E aquela gente viu-a?

G – De calcinhas transparentes.

C – Mais nada?

Era o mesmo que ver tudo...

Oh! que almas impenitentes!

Oh! que mulher descarada!

(Mas eu gostava de ver...)

G – Olha que um corpo desnudo

No meio da multidão

Nunca é de apetecer.

C – Não vejo a dif’renciação...

G – Todo o sentido se muda

Na mulher que se desnuda

Ante mil olhos ou dois.

C – Por quem sois...

G – Não há qualquer semelhança.

C – Não percebo onde a mudança...

Não é como estarmos sós?

G – Quem parece nu então,

Numa tal ocasião,

Não é o nu, somos nós!

A brincar, a brincar...

Já aqui fiz referência ao fabuloso (sem favor) trabalho promocional da campanha de Barack Obama quando criou este video clip, uma obra de arte da comunicação, política ou não. E porque a América é um Brasil com dinheiro, rapidamente surgiu uma versão humorística dedicada à campanha de Jonh McCain. Eu disse humorística? Perdão, queria dizer com piada, o que é substancialmente diferente. Porque este humor é a sério e quer dizer coisas sérias. Mesmo fazendo sorrir. Excelente trabalho de comunicação, mais uma vez. Goste-se ou não de Obama ou de McCain.

Bom dia. Hoje eu faço a barba a pensar nos serviços públicos.

«Em Portugal, o espírito corporativo das instituições é fortíssimo. Os serviços públicos fazem a barba uns aos outros.»
António Hespanha, Historiador, in 'Prós e Contras', RTP 1

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Rehab Amy, the wine house.

Amy Winehouse foi a grande vencedora da noite dos Grammys, ontem em Los Angeles. Cinco, nada menos. O pior que lhe podia acontecer, digo eu. Amy tinha recebido seis indicações para os Grammy 2008, incluindo as quatro principais (Revelação do Ano, Álbum do Ano, Gravação do Ano e Música do Ano). Ganhou cinco estatuetas, saboreadas pela televisão já que não pôde recebê-las pessoalmente. O governo dos EUA negou visto à artista para cantar no Staples Center, sede da 50ª edição dos Grammys, atendendo aos escândalos habituais na rapariga. A pedido dos organizadores, Winehouse só poderia cantar numa performance televisiva em directo de Londres, onde mora e cumpre seus tratamentos anti-drogas. E assim foi.

Foi assim que uma perturbada garota de 24 anos acabou ontem premiada com cinco dos mais importantes galardões do show business mundial, numa noite que qualquer deslumbrado acha o sonho de uma vida. Mas que eu receio ter sido a pior coisa que poderia ter ocorrido à pessoa que veste o boneco de Amy, agora levada em ombros a ocupar uma residência no condomínio dos deuses, mas sem a mais que improvável lucidez que lhe diga ao ouvido (muitas vezes por hora, minuto, segundo) que se trata apenas de uma cedência de espaço, um aluguer caro, não uma compra definitiva de lugar vitalício. Que é preciso batalhar pelo lugar, dar mais e melhor de si a cada momento. Ou será o mesmo público que hoje lhe paga a renda a despejá-a na rua de todas as amarguras: o beco do arrependimento.

Aos ouvidos de Amy sopram agora as mesmas vozes que sempre se encontram ao redor de um vencedor, os que dizem só o que sabem ser do agrado de quem ouve, sem risco de contraditório. Take it for granted, dir-lhe-ão. E ela vai gostar de ouvir, pelo que if they want to send me for rehab I'll say no, no, no. Em volta de uma Amy já em desequilíbrio estão agora os pesos mortos, rapaziada do elogio, pessoal da lingua no coiso, mestres da graxa e sugadores de luxo em qualquer palhinha que se ponha a jeito. O peso de todos, num equilíbrio já de si precário, fará cair o chão e desabar o tecto do sucesso. Depois pôr-se-ão a milhas. E só na solidão do abandono das sanguessugas e dos cínicos, dos lacaios e dos bobos, dos falsos e dos merdas, é que Amy Winehouse vai encontrar um dia o seu caminho da glória. Ou não, quem sabe fica pelo caminho, como tantos outros fenómenos que não se souberam gerir enquanto tal. Que só deram pelo valor do seu talento quando já toda a gente tinha secado as lágrimas por este se ter suicidado. Será uma pena se assim for também com esta garota, pouco mais, brinquedo nas mãos das bruxas que batem palmas ao petisco da rentável novidade. E que querem tanto rehab como ela, alucinada. Amy Winehouse sem drogas? Podia até ser engraçado, mas não vendia. Amy é mais que a pessoa que canta, é o boneco escandaloso que pisca o olho à moda, que é quem paga as contas. Do encanto do espectáculo faz parte a sua própria degradação, que o público paga para ver como quem vai ao circo ver o leão comer o prior, neste moderno freak-show global.

Amy Winehouse é um fenómeno da pop, uma genuína alma de artista perdida numa embalagem de sofrimento e desespero. Uma voz de timbre único, uma sensibilidade selvagem e um ritmo original, próprio, inventado, criado, seu de berço. Uma eleita, inocente dessa culpa. O que ela tem que a faz genial ela não domina, não compreende, não vê e não valoriza. Para ela, tal como está, a felicidade ainda mora no nevoeiro e o amanhã não existe. Aos 24 anos, Amy segue em rota de colisão com o seu próprio futuro, embalada na asneira por não conseguir chegar com o pé ao travão da maturidade. A noite de ontem, ao carregá-la com mais cinco pesos de estrelato, só chamou mais gente para ajudar a empurrar a tragédia. Só deu velocidade ao inevitável, suspeito. Porque o espectáculo, esse, tem que continuar sempre, custe o que custar. E custe quem custar no caminho.