Pergunta: quanto tempo leva a matar um homem a soco, ao pontapé e à pedrada? Resposta: depende. Se forem precisos treze rapazes entre os 13 e os 16 anos e se eles estiverem assim meio a brincar, sem se aplicarem por aí além, leva um fim de semana. E ainda sobra tempo. De sábado para domingo passado, um homem de 45 anos foi morto a soco, ao pontapé e à pedrada por uma besta descontrolada composta por treze garotos, os mais novos com 13 anos e apenas um, o mais velho, com
Para muitos portugueses, quem morreu espancado e apedrejado no passado fim de semana no Porto não foi bem uma pessoa. Foi um maricas que era travesti e prostituto. Era um paneleiro, dirão. E era um drogado, o gajo. E dormia na rua, não se lavava, era porco. E era brasileiro. Como se vê, não era bem um dos nossos, ninguém nos pode comparar ou misturar com esse tipo de gente, com certeza, a nós ou aos nossos filhos. Este era um filho da outra, há aqui uma diferença, já se sabe. E depois isto é o tipo de coisa que só acontece com os filhos dos outros. Os tais garotos que fizeram isto, por exemplo, mesmo com treze anos, também não são iguais aos nossos filhos. Estes eram na maioria pretos, para começar. E vadios, delinquentes, com antecedentes criminais e internados numa instituição do Estado. E com certeza que eram drogados também. Como se pode ver, vista com outros olhos a coisa fica bem diferente. Tudo é relativo.
É uma sociedade hipócrita e criminosa esta que cada vez mais se divide entre aqueles que não dizem merda e aqueles que vivem enterrados nela todos os dias das suas miseráveis existências. É uma sociedade hipócrita e criminosa esta que tem governantes que agora se dizem ‘chocados’ com o linchamento de um travesti drogado, mas que no entanto vão mantendo zonas vermelhas de submundo dentro das nossas principais cidades, onde é possível o tráfico de droga e a prostituição, o crime e o vandalismo, a violência e até o homicídio, sem que a polícia lá entre, interfira ou queira descobrir o que quer que seja que se passa dentro dos seus limites. É uma sociedade hipócrita e criminosa esta que diz ter centros de acolhimento e recuperação para ‘menores em risco’, que continuam em risco quando confiados à guarda de um Estado que não tem a mais pálida ideia sobre o que há-de fazer com o seu presente, como se vê, quanto mais com o seu futuro. É uma sociedade hipócrita e criminosa esta que sabe tudo isto, vê tudo isto e vive bem com tudo isto todos os dias de todos os tempos. Que permite bolsas de miséria onde se desenvolvem todas as doenças sociais que são verdadeiramente cancerosas para a evolução da espécie humana e nada faz para as erradicar, convicta que nada daquilo acontece aos seus filhos dilectos. Só aos filhos dos outros e aos filhos da outra como Gisberto Silva, brasileiro, travesti, drogado, prostituto, homossexual e sem abrigo, que foi assassinado no passado fim de semana na cidade do Porto. O seu corpo, em estado de adiantada decomposição, foi encontrado no edifício onde morreu, que está abandonado há 15 anos e é terra sem lei, conhecida e reconhecida como centro de múltiplas actividades criminosas. Gisberto foi morto por treze adolescentes, com
9 comentários:
Não li então... tiro o chapéu agora!
A culpa é realmente de todos nós nem que seja pela nossa indiferença.
Carmo
Um mea e nostra-culpa, num excelente texto.
Touchée ( em várias acepções ).
sam,
gadinho, viu?
carmónima,
a indiferença é quase pior que o preconceito. quase.
mifas,
gadinho. viu.
adolfo simões,
um não sei quê técnico deste Blogger imprevisível fez cair o seu comentário, mas obrigado na mesma.
Neste, como em muitos outros casos, o preconceito e a indiferença (seja esta pura e simples, ou seja face ao preconceito de outros) são quase mais execráveis que os actos em si mesmos.
É indamissível que se mate (ou se considere, sequer, como "brincadeira") um outro ser humano só porque é diferente. É que, caso ainda ninguém tenha reparado, nós somos todos diferentes uns dos outros! E, por isso mesmo, estamos todos sujeitos a que um dia um qualquer "artista", novo ou velho, se ache no direito de espancar/matar outro só porque achou que esse outro não era igual a ele. Travesti, estrangeiro, dependente, incompreendido. Quem nunca se sentiu assim? Graças a Deus, alguns de nós não se atravessaram nesse dia com uns miúdos traquinas... Como, infelizmente, aconteceu com a Gisberta.
(Rui, desculpa, a gripe deixa-me ainda mais intransigente!)
Rui
Não há muito a dizer a não ser que o texto está excelente. E actual. E aposto que infelizmente daqui a um ano também estará. E dois..e três...
Touchée mesmo. ou de como podemos hipocritamente ir assobiando para o lado e fingir que coisas destas só se passam "lá fora".
infelizmente, o texto continua muito actual
lita,
as melhoras, amiga.
saci,
infelizmente assim o creio também.
leonor,
incrível, não é? e muito humano, diga-se.
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