Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Um Raposo no país das maravilhas



Lá diz a velha sabedoria popular que, supostamente, uma pessoa consegue enganar toda a gente durante algum tempo ou alguma gente durante todo o tempo. Mas é aparentemente ponto assente que não se consegue enganar toda a gente durante todo o tempo, uma proeza que o homem hoje em julgamento no tribunal de Portalegre, professor na escola local, foi capaz de manter com sucesso durante mais de trinta anos. Trinta anos. Uma vida, ou quase. Vamos então à história de mais este artista português do arame, essa verdadeira arte nacional. António Raposo começou por ser professor de Educação Física há mais de trinta anos, passando depois a professor de matemática, presidente do Conselho Directivo da Escola Básica e Integrada Cristóvão Falcão e, finalmente, dirigente máximo do Agrupamento de Escolas em Portalegre. Tudo isto a par com uma excelente reputação académica e docente, mantida pelo próprio e cultivada pelos seus alunos, encarregados de educação, colegas docentes e população em geral. Sob a sua batuta e ascendência hierárquica estavam mais de mil e duzentos alunos - repito: mil e duzentos alunos - e cento e cinquenta professores que a ele prestavam contas, sem que um único incidente tenha ocorrido para ameaçar a saudável e equilibrada convivência de todos com todos.

Assim se passaram trinta anos, um pouco mais, para ser rigoroso. Até que no ano passado uma denúncia chegou ao Ministério da Educação, carregando a bomba da incrível verdade: António Raposo era uma fraude, já que não era possuidor das necessárias qualificações académicas para ser professor, quanto mais presidente do Conselho Directivo, ou responsável pelo agrupamento escolar da região. Rebentada a bronca, António Raposo foi suspenso e foi-lhe instaurado o respectivo processo disciplinar com vista à sua expulsão da função pública e do ensino em particular, tudo isto sem prejuízo do natural e consequente procedimento criminal instaurado pelo Ministério Público e que hoje mesmo conheceu mais uma sessão de julgamento. António Raposo terá confessado os seus crimes, a saber: falsificação de dois certificados de habilitações académicas que não possuia e que lhe permitiram levar a cabo esta proeza de enganar toda a gente durante todo o tempo que passou nestes mais de trinta anos. E terá mostrado o arrependimento possível e esperado em quem só é desmascarado depois de três décadas de engano generalizado, pondo em questão todo um sistema que se revela cheio de buracos por todo o lado. António Raposo responde agora por usurpação de funções, falsificação e burla agravada, aguardando-se com expectativa o desfecho desta inacreditável aventura de mais uma Alice neste país das maravilhas que é Portugal.

2 comentários:

Anónimo disse...

Razão tinham os mais sensatos dos meus professores quando diziam que a gente deveria esquecer toda a pedagogia que aprendera nos livros. Ser professor não se aprende, pratica-se.

Anónimo disse...

"Sereno, competente e com espírito de líder"?
Medalhem mas é o homem que melhor nem de encomenda!
E, depois, trinta anos a leccionar é penitência de sobra!