Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Paulo Portas, Jaime Siva, José Sócrates, insultos, ofensas e pão.

Se me perguntarem, Paulo Portas deu um tremendo tiro no pé ao empolar a questiúncula tida com o Ministro da Agricultura, Jaime Silva, nascida no trocadilho infeliz entre políticas de calote e caloteiros. Num registo emocional com alguma perturbação, o líder da bancada centrista baralhou as bolas sem a sua habitual destreza e hoje, no debate quinzenal com o governo, despejou mais uma saraivada em causa própria. Ao interpelar o Primeiro Ministro de forma estrondosa ("não tenho medo de si","hoje perdi todo o respeito que tinha por si","teve toda a oportunidade de ser decente"), ao carregar nas cores do insulto e da sua consequente ofensa pessoal e ao levar para o parlamento, em dia de assembleia magna, um confronto directo que quis colocar nos limites do relacionamento político e institucional, pisando mesmo o risco da afronta inter-pares, tudo à volta de uma questão com duvidosa legitimidade e cujo lugar, naquele momento e local, é igualmente questionável. Uma manobra escusada, digo eu.

Ao exigir de Sócrates que este se demarcasse de Jaime Silva na circunstância em apreço, o líder do CDS pede o impossível: que um primeiro ministro se demarque publicamente e em sede parlamentar de um ministro do seu governo ali presente. Portas esperava o quê? Que Sócrates batesse na testa e exclamasse. "Ó Dr! está cheio de razão! Sr. Ministro Jaime Silva, pensando bem o senhor não procedeu bem!"? Era isto? Ao afrontar José Sócrates com a afirmação pública e tonitroante da perda de respeito ('desde hoje'), Portas coloca na questão um indisfarçável cunho pessoal e definitivo. É uma manobra política perigosa. Desastrosa, diria mesmo.

Para já, na evolução de mais esta pantomina circense de duvidosa eficácia, Paulo Portas terá empenhado ainda mais a sua credibilidade pessoal e política, (que já teve melhores dias, convenhamos), ao anunciar com fanfarra que não só vai processar Jaime Silva judicialmente, mas também que o seu advogado será Garcia Pereira, uma escolha com inegável mensagem de seriedade de intenções. Cá estaremos todos para ver e ouvir mais, muito mais estou certo, sobre mais este fait-divers da cada vez mais revisteira política à portuguesa. As cenas dos próximos capítulos estão já em fase de produção, seguramente. Mas quem quiser saber o que se passou hoje no parlamento em dia de debate institucional com o governo, qual foi o grande assunto do dia, o que ficou para a história da sessão, ninguém se vai lembrar de ter ouvido falar sobre o pão, a paz, saúde, habitação. Aquelas minudências do nosso viver. Não, nada de pão. Para dizer a verdade, foi mais circo que outra coisa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns! Análise excelente. Está a voltar ao seu melhor.

RM disse...

Muito bom!
Mas o cerne da questão continua o mesmo..."o mau estar difuso..."
Já ninguém acredita nesta gente, digam e façam o que fizerem.