Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Carta aberta a quem me escreve

Caro colega. Ooops! Comecei mal. Não devo chamar-te colega. “Colegas são as putas”, dizia Reinaldo Ferreira, o nosso Reporter X, numa frase que ficou célebre no jornalismo nacional. Caro amigo também não. Não porque o não sejas hoje, mas porque não sei se o serás amanhã. No jornalismo é assim, há muito disto, infelizmente, muito lobby, muito grupinho, muito Abel de manhã e Caim à tarde. O que acaba por ter a sua lógica, convenhamos. Afinal, não se pode dar à língua entre amigos, se alguns a trazem ocupada a polir as botas de uns ou a humedecer os recantos de outros. É uma questão de sobrevivência, compreende-se. É a lei da vida, suporta-se.

Mas, meu caro, entendamo-nos: os jornalistas não são nem piores nem melhores que as outras pessoas de outras profissões. São seres humanos que sofrem dos mesmos defeitos de fabrico, digamos assim, que carregam os mesmos pequenos quês de toda a gente em geral. Por obrigação profissional, vêem-se obrigados a falar muita vez sobre as vidas dos outros. Regra geral e por condição deontológica, sempre e só quando o interesse público o justifica. Fazer isto com rigor e isenção não é, acreditem, a melhor maneira de aumentar o número de amigos chegados. Fazê-lo sem rigor e de isenção comprometida por uma ou trinta moedas de prata é uma arte complicada, uma espécie de andar no arame julgando que se tem rede. Se a coisa corre bem, fica-se muita vez bonito no retrato. Quando corre mal é que é o diabo, porque a rede raramente lá está. Pelo sim pelo não, a bem de um soninho descansado, sugiro a correcção permanente. Sempre.

Nada disto é novidade para ti, que fazes jornalismo num meio pequeno e sem a lupa de uma opinião pública forte e com vontade de saber as coisas, doa a quem doer. Para ti que começas agora é importante que saibas as linhas disponíveis para a cozedura que vais ter de enfrentar todos os dias, todas as semanas ou todos os meses. Para ti que já cá andas há muito não há crise. Já dominas, já controlas a arte do arame e tens até já na manga uma ou duas redes de reserva para o caso de dar barraca alguma indiscrição que te escape e o tombo surgir. Que seja pequenino, se tiver que ser. Mas de preferência que não aconteça.

As sociedades evoluem em velocidade global, nos dias de hoje. As notícias circulam mais e melhor contadas, com mais rigor, com mais profissionalismo. O jornalista já não é um curioso. É um operário da informação. E assim as notícias, não os jornalistas, vão mudando o mundo. Todo ele, aqui o nosso mundinho também. E todos desejamos que seja para melhor. Num meio pequeno e com poucos recursos, a competitividade é saudável, a concorrência estimulante, mas a solidariedade de classe, a decência inter-pares, é mais fundamental que nunca para a qualidade do produto final, que é a soma de todos os produtos finais que todos os jornalistas, estagiários e colaboradores de toda a ordem criam e constroem, todos os dias e para toda a gente, nesta terra em que vivemos. Para ti, meu caro, tenho dito.

1 comentário:

Unknown disse...

"Colegas são as putas" é uma frase célebre no exército português, já há muitos anos.