Este é o segundo capítulo do estudo sobre a Ópera em Portugal, da autoria de Daniel de Sá, cuja publicação teve início ontem com 'As origens da Ópera', o primeiro capítulo da série. Organizado em oito grandes capítulos, resultado de um trabalho de pesquisa notável e escrito com a qualidade a que este autor já nos habituou, este estudo leva-nos numa viagem histórica de visita aos palcos e bastidores desse espectáculo que alguém descreveu como "o mais sumptuoso e dispendioso divertimento que o engenho humano pode conceber". Um trabalho absolutamente imperdível, com publicação diária, que hoje dá a conhecer o seu segundo capítulo.
Em baixo: "A Ópera em Portugal - Introdução da ópera em Portugal"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
Parte I : As origens da ópera
Parte II : Introdução da ópera em Portugal
Passar-se-ia quase século e meio desde o aparecimento da ópera na Itália até à sua chegada ao nosso país, depois de ter conquistado o público de quase toda a Europa sobretudo a partir de Veneza, cidade onde ganhou o seu nome definitivo e onde foram feitos os primeiros teatros de ópera, que atingiram um total de dezasseis ainda durante o século XVII.
Tendo começado como um produto de pura exportação, que foi recebido com grande entusiasmo na Inglaterra e em outras regiões europeias como as de língua alemã e a França, cedo começaram a aparecer autores que fizeram da ópera um espectáculo nacional, tanto no que respeita à música como aos temas tratados, embora sem se afastarem muito, normalmente, do padrão italiano.
O caso mais bem sucedido de um estilo de ópera nitidamente nacional talvez se tenha dado em Espanha, com a zarzuela, que se trata de um espectáculo ligeiro, no género dos que foram chamados opera buffa, em Itália, singspiel, na Alemanha, opéra comique, na França, ou ballad opera, na Inglaterra. O primeiro espectáculo de zarzuela (El jardín de Falerina, de Calderón de la Barca, com música de Juan Risco) foi oferecido em 1648 a Filipe IV e sua corte, no palácio real da Zarzuela, que recebera este nome da erva que abundava no lugar e que passou também a designar a ópera ligeira espanhola. Apesar desta proximidade geográfica, tardaria ainda quase um século a entrada da ópera nos hábitos culturais portugueses. As razões são várias e talvez possam ser explicadas por diferentes condicionalismos.
A ópera nasceu sob a protecção dos nobres e, antes da construção do teatro de San Cassiano, em Veneza, em 1637, era representada apenas nos seus palácios. Ora em Portugal, durante todo o século XVI e início do XVII, a nobreza não se distinguia de maneira nenhuma por interesses culturais, enquanto que a própria criação artística não foi brilhante. Até 1640, o país viveu sob o domínio da dinastia filipina que, embora não tenha exercido qualquer censura sobre a literatura, a música e as outras artes, não representava uma condição motivadora de grandes rasgos criadores, tendo-se seguido quase três décadas de estado permanente de guerra com Espanha depois da restauração da independência.
Se é certo que os reis desse período (D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II) se interessaram muito pela música, principalmente D. João IV, ele mesmo um bom compositor, fizeram-no sobretudo a respeito da música sacra, pouco contribuindo para outras formas de expressão musical. Quanto aos nobres, a maior parte deles sem uma história familiar de apego à cultura, gostavam de se exibir pela virilidade, como homens sempre dispostos à luta, armados de espadas que faziam parte obrigatória da sua apresentação diária e que desembainhavam com facilidade para um duelo.
Com a subida ao trono de D. João V, em 1707, a situação estava longe ainda de se modificar, apesar do seu interesse pelas artes, sobretudo a Arquitectura e a Música, tendo mesmo, além de outras iniciativas de enorme interesse, chamado à corte o compositor e cravista italiano Giuseppe Domenico Sacarlatti, filho de Alessandro Scarlatti, ao mesmo tempo que continuava a enviar para Itália jovens músicos portugueses, um dos quais foi Francisco António de Almeida, que viria a ser o autor da primeira ópera portuguesa.
Talvez não seja incorrecto supor que essa indiferença inicial de D. João V pela ópera poderá ter-se devido ao gosto herdado dos seus antecessores e, quem sabe, a alguma desconfiança perante um espectáculo demasiado profano, que incluía mulheres como actrizes e abordava temas raramente piedosos, tanto mais que, nos últimos anos da sua vida, e depois de ter sofrido uma apoplexia, D. João V proibiu a ópera devido a escrúpulos morais. O certo é que, finalmente, em 1733, (dois anos depois de a corte ter assistido à primeira ópera, italiana, representada em Portugal) por altura do Carnaval (e aqui está possivelmente uma indicação do pensamento real a respeito de um espectáculo que ele terá julgado apropriado para tal época do ano), foi apresentada no Paço da Ribeira (que haveria de arder completamente por causa do terramoto de 1755) a ópera La Pazienze di Socrate, com música de Francisco António de Almeida, que se julga ter sido ainda aluno de Alessandro Scarlatti, e libreto de Alexandre de Gusmão, escrito, como se percebe pelo próprio título, em italiano.
O oiro do Brasil seria fonte de riqueza não apenas para o rei e o seus gastos sumptuosos, mas para a generalidade da nobreza, que mudou radicalmente a maneira de exibir a sua importância, passando a preferir as festas, as procissões ou a música. Estava aberto um novo caminho à música portuguesa, porquanto as exigências tão diversas da ópera, em termos de partitura, sem dúvida contribuíram muito para o desenvolvimento desta arte, obrigando os compositores nacionais a diversificarem as suas formas de expressão através do canto para solistas ou para coro e da orquestração.
Tendo começado como um produto de pura exportação, que foi recebido com grande entusiasmo na Inglaterra e em outras regiões europeias como as de língua alemã e a França, cedo começaram a aparecer autores que fizeram da ópera um espectáculo nacional, tanto no que respeita à música como aos temas tratados, embora sem se afastarem muito, normalmente, do padrão italiano.
O caso mais bem sucedido de um estilo de ópera nitidamente nacional talvez se tenha dado em Espanha, com a zarzuela, que se trata de um espectáculo ligeiro, no género dos que foram chamados opera buffa, em Itália, singspiel, na Alemanha, opéra comique, na França, ou ballad opera, na Inglaterra. O primeiro espectáculo de zarzuela (El jardín de Falerina, de Calderón de la Barca, com música de Juan Risco) foi oferecido em 1648 a Filipe IV e sua corte, no palácio real da Zarzuela, que recebera este nome da erva que abundava no lugar e que passou também a designar a ópera ligeira espanhola. Apesar desta proximidade geográfica, tardaria ainda quase um século a entrada da ópera nos hábitos culturais portugueses. As razões são várias e talvez possam ser explicadas por diferentes condicionalismos.
A ópera nasceu sob a protecção dos nobres e, antes da construção do teatro de San Cassiano, em Veneza, em 1637, era representada apenas nos seus palácios. Ora em Portugal, durante todo o século XVI e início do XVII, a nobreza não se distinguia de maneira nenhuma por interesses culturais, enquanto que a própria criação artística não foi brilhante. Até 1640, o país viveu sob o domínio da dinastia filipina que, embora não tenha exercido qualquer censura sobre a literatura, a música e as outras artes, não representava uma condição motivadora de grandes rasgos criadores, tendo-se seguido quase três décadas de estado permanente de guerra com Espanha depois da restauração da independência.
Se é certo que os reis desse período (D. João IV, D. Afonso VI e D. Pedro II) se interessaram muito pela música, principalmente D. João IV, ele mesmo um bom compositor, fizeram-no sobretudo a respeito da música sacra, pouco contribuindo para outras formas de expressão musical. Quanto aos nobres, a maior parte deles sem uma história familiar de apego à cultura, gostavam de se exibir pela virilidade, como homens sempre dispostos à luta, armados de espadas que faziam parte obrigatória da sua apresentação diária e que desembainhavam com facilidade para um duelo.
Com a subida ao trono de D. João V, em 1707, a situação estava longe ainda de se modificar, apesar do seu interesse pelas artes, sobretudo a Arquitectura e a Música, tendo mesmo, além de outras iniciativas de enorme interesse, chamado à corte o compositor e cravista italiano Giuseppe Domenico Sacarlatti, filho de Alessandro Scarlatti, ao mesmo tempo que continuava a enviar para Itália jovens músicos portugueses, um dos quais foi Francisco António de Almeida, que viria a ser o autor da primeira ópera portuguesa.
Talvez não seja incorrecto supor que essa indiferença inicial de D. João V pela ópera poderá ter-se devido ao gosto herdado dos seus antecessores e, quem sabe, a alguma desconfiança perante um espectáculo demasiado profano, que incluía mulheres como actrizes e abordava temas raramente piedosos, tanto mais que, nos últimos anos da sua vida, e depois de ter sofrido uma apoplexia, D. João V proibiu a ópera devido a escrúpulos morais. O certo é que, finalmente, em 1733, (dois anos depois de a corte ter assistido à primeira ópera, italiana, representada em Portugal) por altura do Carnaval (e aqui está possivelmente uma indicação do pensamento real a respeito de um espectáculo que ele terá julgado apropriado para tal época do ano), foi apresentada no Paço da Ribeira (que haveria de arder completamente por causa do terramoto de 1755) a ópera La Pazienze di Socrate, com música de Francisco António de Almeida, que se julga ter sido ainda aluno de Alessandro Scarlatti, e libreto de Alexandre de Gusmão, escrito, como se percebe pelo próprio título, em italiano.
O oiro do Brasil seria fonte de riqueza não apenas para o rei e o seus gastos sumptuosos, mas para a generalidade da nobreza, que mudou radicalmente a maneira de exibir a sua importância, passando a preferir as festas, as procissões ou a música. Estava aberto um novo caminho à música portuguesa, porquanto as exigências tão diversas da ópera, em termos de partitura, sem dúvida contribuíram muito para o desenvolvimento desta arte, obrigando os compositores nacionais a diversificarem as suas formas de expressão através do canto para solistas ou para coro e da orquestração.
(Amanhã: "Parte III - Os primeiros tempos")
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