Da escritora Soledade Martinho Costa recebo as palavras com que vos deixo, este 'Poema renascido', «escrito hoje, com a visão mais recente do meu Abril», diz-me em recado privado. Sigo na boleia desta autora, que hoje me honra com a sua presença e produção original, à descoberta desse dia inventado: um novo 25 de Abril no coração português. Os senhores ainda se recordam de 1974? Daquela onda imensa, transbordo de emoções levantadas do chão pisado que era a gente, por obra e graça do 'não aguento mais' de uns quantos que levou ao 'porra, já chega' geral? Pois passaram trinta e quatro anos, trinta e quatro. Tudo mudou, como manda a lógica inexorável do tempo. Mas então e se, imaginemos, Abril voltasse a percorrer as nossas ruas, hoje mesmo, que Portugal estaria à janela? E que vozes se ouviriam, que palavras de ordem chegariam aos ouvidos desta nação adormecida? Que país seríamos se hoje, Abril, fosse Abril outra vez? Só o talento literário para me emprestar esse milagre, por um minuto que seja. Soledade Martinho Costa faz as honras. A liberdade vai passar por aqui.
Em baixo: "Poema renascido"
Sete vidas mais uma: Soledade Martinho Costa
Se Abril voltasse
A percorrer as ruas
E com ele na mão
Um cravo rubro
Os anseios que nascessem
Nesse dia
Trariam a certeza
De que os homens
Nem sempre procuram
A magia
Que faz dormir em paz
As consciências.
Se o outro Abril
Não passou de um sonho
Se respiramos hoje
Esta amargura
E os cravos se tornaram
Cor de bruma
A seara continua
A oferecer ao vento
O dourado do manto
E a formosura.
A murmurar, talvez
Que o Norte anda à deriva
Sem rota, sem leme ou timoneiro
Mas que resiste em nós.
A segredar ao coração
A tempo inteiro
É urgente ir em busca da bonança
E deixar que o Sol rompa o nevoeiro.
A fé não está perdida
É urgente ir em busca do poema
Que se fez bandeira
E fez canção
Em nossa voz
Agora adormecida
À espera de a ouvirmos
Renascida
Cantada noutro tom
Em vez primeira.
4 comentários:
Aí por volta de 1975/76, um amigo que era do então PCP, costumava dizer : "quando houver a revolução ...". Interessante, não ? Será que esta revolução dos cravos, além da liberdade, nos trouxe mais alguma coisa que esperávamos ?
Creio que ainda há quem não perceba o que foi a revolução de Abril. Foi diferente de todas as que conhecíamos, porque teve esta virtude exemplar, bem personificada na extraordinária dignidade de Salqgueiro Maia: deu-nos a liberdade para fazermos dela o que nos aptecesse. Pena que aos mais poderosos nem sempre tenha apetecido o que mais convinha à nação, como se entende pelo expressivo poema da Soledade.
(Pois é, desta palavra nasceu outra, a "saudade"... E eu tenho saudade de ter outra vez os pés nas mesmas pedras da calçada e de ouvir outra vez a notícia, mais minha mulher...)
RVN:
Grata e lisongeada pela introdução que deu ao meu poema. Com fotografia e tudo!
Convenço-me, sem vaidade, que lhe agradou. Peço-lhe agora a trabalheira de me corrigir umas coisitas. Escrito pela manhã, e agora relido, encontro-lhe alguns defeitos. Aliás, coisa que encontro sempre nos meus trabalhos. Então, é assim:
Para não repetir «sonhos» e «sonho» (mais abaixo), substituia «os sonhos que nascessem...» por «os anseios que nascessem...». Também em vez de «dar ao vento», preferia «oferecer ao vento». Por fim, retirava o «Que» e deixava ficar apenas «É urgente ir em busca da bonança»
Não é muito, mas já dá trabalho. Cada vez acredito mais que «os textos devem repousar na gaveta o tempo necessário». Mas hoje não dava. Para aceder ao desafio, tinha a questão da data! Nesse caso, só para o ano...
Contando desde já com a sua prestimosa colaboração, vai a amizade da
Soledade Martinho Costa
margarida,
boa questão, e oportuna reflexão, se levarmos em conta a data. De qualquer forma, algo 'além da liberdade' parece-me um nadita ... exigente?
daniel,
Ó tempo volta para trás, Daniel? (Muito ano vão ficar essas pedras por aí, querido amigo... aí continuarão muito depois de eu e tu nos juntarmos para um copo celestial numa nuvem qualquer perto de ti).
sol,
Pois convence-se muito bem. Foi um verdadeiro prazer e estou-lhe grato pelo privilégio de editar trabalho seu. Só podia gostar, de resto, já o disse na introdução às suas palavras.
Estão feitas as correcções que pediu e estou ao dispor para o que mais entender. Disponha, a casa é sua e serve para isso mesmo.
Os meus cumprimentos. E agradecimentos, claro.
rvn
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