Há qualquer coisa profunda, triste e genuinamente portuguesa na notícia "Popular encontra engenhos explosivos junto ao rio Tejo". Em toda ela, confiram e verão. No tom casual da descoberta, 'cidadão passeando o cão deparou'. Na justificação atribuída ao próprio, 'o rio estava anormalmente baixo e deparei-me com dois objectos que reconheci de imediato porque lido com eles devido à minha condição de militar'. Na medalha de mérito 'fonte da Brigada de Minas e Armadilhas disse à Lusa que o procedimento do cidadão Jorge Pereira "foi exemplar" ou na linha didáctica 'quem encontrar este tipo de objectos deve fazer o mesmo, ou seja, não tocar nos objectos, sinalizá-los e chamar imediatamente as forças de segurança'.
Mas a parte mais fascinantemente nossa é o parágrafo perdido lá nos fundos da prosa, naquela parte que já só lê quem procura mais que o essencial da notícia, quem busca o fait divers para compor a informação. O colorido local, por assim dizer. E reza assim o dito cujo:
«João Escarola, pescador, conhece as margens do Tejo há mais de 60 anos e, segundo disse à Lusa, muitos mais engenhos do género estarão espalhados pelas margens. "Uma antiga fundição que existia em Tramagal livrou-se dos explosivos atirando-os para o rio depois de um uma grande acidente em que morreram várias pessoas", contou o pescador, garantindo que "nas margens do rio, quando está baixo, é só procurar porque são às dezenas por aí espalhados".»
As linhas que se seguem são três, apenas, um louvor ao cidadão e dois avisos de cuidados a observar quando acontecer outra vez. Quando voltarem a aparecer 'três peças de artilharia, cada uma com um peso a rondar os 8,9 quilos', como agora. Ou quando explodir outra, como a que a Brigada de Minas e Amadilhas fez rebentar numa das três vezes que já foi chamada por ali.
Sobre a fábrica, sobre o Tramagal, sobre o acidente, os mortos, as 'dezenas' e o 'espalhados', sobretudo, nem uma palavra, nem uma vírgula. Foi ponto final e único. Um desabafo, enfim, coisas que se dizem, sei lá. Olhem, acabou como começou, pronto. Um popular encontrou, um popular comentou, um jornalista contou, aquilo nem rebentou, o natal até já passou, isto também já passou, pronto, vá lá, já passou, pronto, vá lá, já passou.Mas a parte mais fascinantemente nossa é o parágrafo perdido lá nos fundos da prosa, naquela parte que já só lê quem procura mais que o essencial da notícia, quem busca o fait divers para compor a informação. O colorido local, por assim dizer. E reza assim o dito cujo:
«João Escarola, pescador, conhece as margens do Tejo há mais de 60 anos e, segundo disse à Lusa, muitos mais engenhos do género estarão espalhados pelas margens. "Uma antiga fundição que existia em Tramagal livrou-se dos explosivos atirando-os para o rio depois de um uma grande acidente em que morreram várias pessoas", contou o pescador, garantindo que "nas margens do rio, quando está baixo, é só procurar porque são às dezenas por aí espalhados".»
As linhas que se seguem são três, apenas, um louvor ao cidadão e dois avisos de cuidados a observar quando acontecer outra vez. Quando voltarem a aparecer 'três peças de artilharia, cada uma com um peso a rondar os 8,9 quilos', como agora. Ou quando explodir outra, como a que a Brigada de Minas e Amadilhas fez rebentar numa das três vezes que já foi chamada por ali.
É tudo tão giro, no meu país. Tudo tão assim, sei lá, tão simples, tão tão.
10 comentários:
Palmita-me que a fundição foi reconvertida em empresa de peixe de conversa. À linha, de arrastão, com explosivos... desde que o peixe seja nacional...
E é mesmo buum - continuam a rebentar sem quererem saber da água e dos anos.
A outra tal, a do Tramagal, teve uma explosão muito mais moderna - sem grande barulho, sem grande fogueiro, com os tais danos colaterais para os muitos do costume e as vantagens finais para os outros poucos do costume também..
pearl,
pois, no mínimo.
esta,
não me diga, a sério?
deviam ter bons advogados, sei lá...
os cabrões do costume, de certeza...
pois, os de serviço.
Seria mais para todo o serviço...
A Pearl escreveu:
"Palmita-me que a fundição foi reconvertida em empresa de peixe de conversa."
Leiam bem a última palavra. Se foi de propósito, é um belíssimo comentário. Portugal inteiro é uma grande fábrica de conVerSa.
daniel,
cá para mim foi um lápis língua (vês como eu sei latim?)
É a tal "não inscrição" de que fala o José Gil.
pedro,
nem mais. na mouche.
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