Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Preocupações

E pronto. Mais três diazitos e acaba-se o ano, mais um ano, ainda este ano. É a tarefa de uma vida, esta. Anda uma pessoa a juntar laboriosamente os dias, um após o outro, a arrumá-los em semanas e meses, a separá-los por lãs e malhinhas, abafos e calções, a esconder os mais gastos e coçados pelo uso, a dobrar os longos, a guardar os que nos foram oferecidos, a esquecer os piores, a emoldurar os melhores, tudo para encaixotar a existência em anuários de lombada grossa com trezentas e sessenta e cinco folhas cada um. Mais três dias e lá vai outro para a prateleira. Estou tranquilo, por isso. Estou no prazo.

As minhas preocupações são outras, neste bintóito decembrino. Ando a cismar com o diacho da biblioteca em si. Com o estado da coisa, se é que me faço entender. Afinal, carrego esta tralha toda desde que me lembro de mim, sempre de um lado para o outro e cada ano mais atestada de livros. E nem sempre nas melhores condições atmosféricas, convenhamos. Aparentemente continua tudo sólido, mas nunca se sabe. Corro prateleira a prateleira e vou detectando umas lascas no verniz, coisitas pequenas, uma mossa ou outra, uns pregos cravados mas disfarçados, arranhões, falhas, alguns primeiros sinais de caruncho, aqui e ali. As dobradiças rangem um pouco. O peso vai-se notando. Fico preocupado, claro que fico preocupado. É que ponho-me a olhar para aquela livralhada toda e palavra de honra: só penso que se alguma coisa dá para o torto, não tenho um armazém de jeito onde a guardar.

4 comentários:

Anónimo disse...

Cinco armazéns, e isto assim de cabeça. Não chegam?

Sabina disse...

Rui


Nada de preocupações. Desconfio que os livros mais pesados se volatilizam da nossa biblioteca. Está lá a lombada, sabemos que existe mas se tivermos a nossa biblioteca bem arrumada, não nos pesa.
Os livros que verdadeiramente nos marcam são os arejados, os felizes e os bem escritos ;-)

Beijos
Saci

P.S.- Ainda assim, disponibilizo, não um armazém, mas uma garagem onde cabem esses aparente vinte e tal livritos.

Anónimo disse...

Não há melhor estante para um livro do que a memória: do seu criador e dos seus leitores.

... e as últimas edições são sempre melhores: aprofundam e corrigem as anteriores.

Rui Vasco Neto disse...

t,
está tudo alugado a estranhos.

saci,
onde raio foi buscar os vinte e tal? dezasseis, se faz favor.. going on seventeen.

mifas,
sábias palavras.