Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


domingo, 4 de novembro de 2007

Ainda o domingo

Hoje vim blogar para o café. Para a esplanada. É algo verdadeiramente fascinante, esta coisa de praticar uma actividade solitária bem no meio dos meus semelhantes. De auricular no ouvido, então, a ilusão da privacidade é completa, para um lado e para o outro. Mais um maluquinho ao computador, as pessoas acabam por esquecer a minha existência. E esticam-se nos sofás lá de casa, vestem robe e calçam chinela para a dominical conversa de família.

Com um par de horitas aqui, passou-me já de tudo pela clientela das mesas do lado. O dia abriu com uma sonora chapada num puto que queria à força um gelado e não queria perceber que já é Novembro. Já é Novembro dou-te uma, já é Novembro dou-te duas, já é Novembro e tomá lá que é para aprenderes. Isto à minha esquerda, que à minha direita a coisa não estava melhor. Não houve chapada mas houve lágrimas com fartura para compensar o tal Novembro em que não chove. Mesmo com a Feist no máximo do auricular, eu estou infelizmente em condições de garantir que o marido da senhora sofre de um problema de líbido e a senhora sofre com o problema do marido. Sei os pormenores de ontem, anteontem e de há pelo menos desde que mudaram para a casa nova, o que já foi há algum tempo uma vez que fizeram obras já três vezes e a mobília da sala foi toda mudada o ano passado. A boa notícia para o senhor é que fora de casa parece estar tudo ok com a líbido dele. Mas sessenta e três, sessenta e quatro por cento das lágrimas da senhora eram seguramente por causa disso mesmo.

Problemas com uma irmã também houve. Era um senhor já entradote, bem posto e engraxado, calça bem vincada e conversa atrasada de uma semana. Só vem aos domingos, este freguês, acabei por perceber. É de uma delicadeza extrema, a roçar a subserviência. Pede desculpa antes e depois de tudo o que diz e no geral todo ele pede desculpa por existir. Vive com a irmã, mais velha dois anos, viúva e sem filhos. Ela é que manda na casa e em tudo o que por lá mora, gente, móveis e plantas. E um gato. O senhor até gosta muito do gato, mas porque o bichano tem um problema de 'rins e intestinos' ele tem de ficar em casa todos os dias por causa da areia e do cheiro e também não vais fazer nada para a rua e para o café, diz 'a mana'. Por isso só ao domingo, quando a mana vai de visita a casa de uma amiga que também tem um gato que gosta muito de brincar com o gato da mana é que ele, José Inácio, pode ter o luxo de sete dias de vida: uma manhã inteirinha no café!

Tem sido um belo domingo, até aqui. Morno. Cheio de calor humano.

10 comentários:

Anónimo disse...

Ao domingo, o céu é mais azul
Até o sol, parece ter mais côr
Trá-lá-lá, trá-lá-lá, trá-lá-lá
Trá--lá-liló, láliló, Lálá ...

Anónimo disse...

" O teste da tolerância não é aceitar pessoas e práticas com as quais nos sentimos confortáveis, mas como lidamos com aquilo que nos desagrada."

Fernanda Câncio
Diário de Notícias 26/10/2007

Anónimo disse...

É este calor humano que nos faz derreter... Derreter... Derreter...
E depois! Sumir... Sumir... Sumir...

samuel disse...

Fizeste-me lembrar a "conversa de botequim" cantada pelos Couple Cofee. Boa!

Rui Vasco Neto disse...

marquesa,
que emocionante, minha senhora.
Trá lá lá lá lá? Em Sol menor?

sam,
e dolores duran, 'conversa de botequim'?
'seu garçon faça o favor de me trazer depressa / uma boa média que não esteja requentada / um pão bem quente com manteiga à beça e um guardanapo / e um copo de água bem gelada / feche a porta da direita com muito cuidado / que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol / vá perguntar ao freguês do lado / qual foi o resultado do futebol'
(Cristo! não sabia que me lembrava disto tudo de cor)

Rui Vasco Neto disse...

zénónimo:
Comentário de Fernanda Câncio
Data: 3 Novembro 2007, 16:39

e sim, para o caso de ainda não se ter percebido, sou bastante intolerante com racistas.

fredo:
não derretas, homem, que me pingas o teclado!

Anónimo disse...

rvn,caríssimo

Impressão minha ou anda por aí uma certa nostalgia?
Seja grato ao sol, aproveite!Olhe que,nesta altura, é um luxo! Eu que o diga!
E,depois, ainda aparece por aqui o anónimo a zurzir-lhe, com o seu sarcasmo implacável e mal humorado,por causa da sua crise de lamechice!
Up your mind!

Rui Vasco Neto disse...

mifa,
claro, claro e mais claro.
fui claro?

Anónimo disse...

Tão claro que fiquei encandeada!

Alan Romero disse...

Samuel,
Reveja os Couple Coffee a cantar Conversa de Botequim:
http://www.youtube.com/watch?v=JSRMcNw6QNU
Há outra gravação, ao vivo, na site deles:
http://www.myspace.com/couplecoffee