Ciência é vida, naturalmente. E o mundo pula no embalo dos sonhos de quem vê mais além que os demais, de quem indaga, questiona, investiga e descobre. Assim chegou a humanidade aos dias de hoje, com muitas batalhas vencidas sobre a doença e consequentemente sobre a morte. Agora, investigadores do Instituto Karolinska da Suécia dizem estar perto de obter uma vacina eficaz contra o vírus da Sida. De acordo com o anúncio feito pelos cientistas na televisão sueca, a imunização poderá ser possível já dentro de dois ou três anos, já que os ensaios clínicos revelaram que 97 por cento dos 40 voluntários inoculados desenvolveram resposta imunológica contra o vírus HIV, num estudo em marcha há já sete anos.
Na continuação do estudo, desta vez foi a Tanzânia o país escolhido para uma nova fase de testes com esta vacina que está a ser administrada a 60 voluntários daquele país. Ao longo dos últimos vinte anos foram tentadas cerca de 200 vacinas em diferentes países, sempre com o recurso a voluntários. Até hoje nenhuma conseguiu obter resultados eficazes nos testes com humanos em larga escala. O que significa que muitos voluntários morreram na experiência. Os primeiros resultados destes novos testes na Tanzânia são 'animadores', dizem os responsáveis farmacêuticos.
Em Setembro passado, falhas registadas nos resultados preliminares fizeram a poderosa Merck abortar os testes de mais uma vacina experimental, considerada das mais avançadas. Após 13 meses de inúmeros testes em inúmeros voluntários de nove países africanos, o estudo levado a cabo pela farmacêutica Merck demonstrou que a vacina não conseguiu impedir a contaminação desses voluntários com o vírus HIV.
O projecto foi então suspenso, mas o processo é tão imparável como o próprio progresso. Algures neste mundo que é nosso, neste exacto momento, continuam a ser feitos novos e necessários testes em gente que nos diz tão pouco que nem chega bem a ser gente nas nossas vidas. É mais notícia de jornal, número de estatística, código de laboratório, pequena vírgula de um texto que não acabará nunca de ser escrito.
O que lhes acontece a elas tem o peso de um vírus nas nossas existências. E pesa bem menos ainda nas nossas consciências. Se não fosse assim, um pouco por toda a parte e vinda dos Estados, das Igrejas, das seitas, dos partidos, dos movimentos parados desta tão pouco social sociedade e de todas as esquinas da consciência mundial surgiria a pergunta que nem se faz nem tem resposta. Neste que é o maior negócio do mundo, as drogas, com os incalculáveis interesses bilionários envolvidos, com a fortuna e glória evidentes numa descoberta deste calibre, quanto é que valerá uma vida na Tanzânia comprada por um qualquer império farmacêutico internacional e voluntária para ser infectada com HIV para ver se dá vacina? Assim em dólares ou em euros, só para se ter uma ideia...
RVN
O projecto foi então suspenso, mas o processo é tão imparável como o próprio progresso. Algures neste mundo que é nosso, neste exacto momento, continuam a ser feitos novos e necessários testes em gente que nos diz tão pouco que nem chega bem a ser gente nas nossas vidas. É mais notícia de jornal, número de estatística, código de laboratório, pequena vírgula de um texto que não acabará nunca de ser escrito.
O que lhes acontece a elas tem o peso de um vírus nas nossas existências. E pesa bem menos ainda nas nossas consciências. Se não fosse assim, um pouco por toda a parte e vinda dos Estados, das Igrejas, das seitas, dos partidos, dos movimentos parados desta tão pouco social sociedade e de todas as esquinas da consciência mundial surgiria a pergunta que nem se faz nem tem resposta. Neste que é o maior negócio do mundo, as drogas, com os incalculáveis interesses bilionários envolvidos, com a fortuna e glória evidentes numa descoberta deste calibre, quanto é que valerá uma vida na Tanzânia comprada por um qualquer império farmacêutico internacional e voluntária para ser infectada com HIV para ver se dá vacina? Assim em dólares ou em euros, só para se ter uma ideia...
RVN
11 comentários:
Agora o caso é sério e faz abanar consciências!Se bem percebi, a questão põe-se nos seguintes moldes:até que ponto é legítimo e ético pedir (e pagar) a alguém que arrisque a vida para, eventualmente, salvar outras vidas?Até que ponto se deve sacrificar uma minoria em pró de uma maioria? Não fora o tratar-se da vida de pessoas, e a resposta dispararia célere.Mas assim,com vidas de permeio, com vidas e vidas,umas bafejadas pela sorte e pela fortuna; outras nem tanto e, outras, ainda, nem sequer nem tanto... Não sei por que meandros da mente vejo-me a pensar na eutanásia.Se calhar nem vem a propósito ou, se calhar, até sim.
Por idêntico processo deambulatório, dou por mim a pensar nos recordes do Guiness, num sem-número de arriscar de vidas, desperdiçadamente, gratuitamente ...
Assolam-me,em trauteio, algumas passagens da "Pedra Filosofal": "eles não sabem que o sonho...". E eis-me chegada ao que me parece o busílis da questão: utopia ou necessidade? Doação ou venda? Tão insondável quanto pode ser a mente do ser humano, que isto de mentes (dementes)tal como de vidas (devidas) são,no fundo (e até à superfície) tão idênticas na Tanzânia como nos Estados Unidos, na Inglaterra como na Etiópia!
Julgar, julgue quem puder que a tanto não me abalanço eu!
Há uns oito anos atrás apareceu no mercado um produto chmado fairy antibacteriano. Poucos dias depois de começar a ser publicitado em tudo o que era sítio foi noticiado que a OMS - Organização Mundial de Saúde- tinha publicado um estudo sobre detergentes antibacterianos. Em resumo, este estudo dizia que este tipo de detergentes matava bactérias sim, mas exactamente aquelas que nos faziam falta. Eram os cosméticos dos antibióticos e só destruiam aquelas bacteriazinhas que não nos matavam, mas nos ajudavam a sobreviver - as bactérias pushing ball, que nos ajudam a criar resistências para os combates a sério. Uma das consequências imediatas do uso generalizado destes antibacterianos de despensa era o reaparecimento da tuberculose, doença que se considerava já quase extinta.
Que aconteceu a seguir? Pois é..., não foi nada disso.... foi só uma nova campannha publicitária. A Fairy, por cada frasco comprado daquele detergente específico, oferecia uns dez paus para a compra de vacinas para a tuberculose em áfrica... Esta campanha foi patrocinada pela presidência da républica...
Na altura, e porque não havia email, desatei a telefonar para tudo o que era televisão, rádio, jornal e revista de escuteiros pensando que tinha "A notícia". Não sei em que telefonema me informaram que a Fairy era do grupo Lever e o grupo Lever era quem mais pagava em publicidade....
Tanzânia? Sida? Laboratórios Farmacêuticos? Fiel Jardineiro? Isso está tudo muito longe e até podemos ser um exemplo de virtudes, não é? E quando dependemos deles para pôr a manteiga no pâo, como dizem os alemães?
Excelente post! arrepiante e merecedor de toda a nossa atenção.
mifa,
para alem de todas as pertinentes questões que deixas no teu comentário, sobra uma outra interrogação.
estamos apenas a falar dos casos de vidas voluntárias, claro, pagas ou não. então e se por um impensável instante pusermos a hipótese dos voluntários não serem assim tão voluntários, por artes e magias da grande autoridade da peseta?
pensa no assunto, amiga. de estômago vazio, recomendo.
teresa,
bem lembrado o caso fairy. bem notado, o fiel jardineiro.
quando dependemos deles para por a manteiga no pão, devemos certificar-nos que a faca está limpa de bactérias, pelo menos.
ou você come tudo o que lhe dão?
luisnónimo,
obrigadinho, claro.
rvn,amigo
Partindo do princípio da causalidade,commumente aceite e,segundo o qual
não há efeito sem causa nem causa sem efeito, facilmente concluimos que tudo o que fazemos é consequência de um estímulo( a que não me repugna chamar necessidade).
Esses estímulos/necessidades são tão diversos quanto os diversos estados e as diversas contingências das diversas pessoas.Em suma, um desdobrar de diversidade que, inevitavelmente, nos levaria a uma progressão geométrica( a matemática está muito longe de ser o meu forte, mas julgo não estar a incorrer em erro de raciocínio).
Posto isto, pergunto e pergunto-me:alguém, alguma vez, fez algo que não fosse provocado por um estímulo/necessidade? Eu, sinceramente,NÃO. Auto-realização?Pesetas? Afinal, o que está em causa não é o haver ou não necessidade mas o "tipo" de necessidade ou de estímulo.Considerando que as necessidades são ditadas pelo balanço que o indivíduo faz do que tem e do que gostaria de ter, de pronto se conclui que elas são de vária ordem, de vários graus,de vária intensidade e por aí fora...
Chegada a esta fase do raciocínio ( não levo a mal que não o terminem:ele convida até os mais heróicos e pacientes à desistência !)...Mas,dizia eu, chegada a esta fase do raciocínio deparamo-nos com outra( mais outra!) pergunta: - psst,psst, ó pst e o livre-arbítrio onde fica?
Pois, na minha modesta, modestíssima opinião, fica lá mesmo, isto é, lá, onde nunca esteve.
É que, encolhidínha de insignificância e de acanhamento , eu estou ao lado e do lado de Pessoa, quando ele diz,por outras bem mais bonitas palavras "Eu não sou o pintor: eu sou a tela.Estranha mão em mim colora...".
Que dá jeito, frequentemente, o nosso jeito de "marionnette", não o nego.Mas palavra, palavrinha, que este texto não me foi ditado pela necessidade de me justificar aos meus próprios olhos de muita da minha inércia mas pela necessidade de não ter necessidade de o fazer.
Rvn amigo, indeferi o seu pedido:escrevi de barriga cheia mas, que diabo!, só há pouco almocei e veja as horas!...
Perdoada?
mifa,
se pessoa não era o pintor mas era a tela, esta gente não chega sequer a ser a tinta e nunca passará de água rás na obra prima do mestre.
quanto ao que é de facto a necessidade e qual a motivação que a dita, estou quase de acordo com essa teoria do balanço 'do que o indivíduo faz do que tem e do que gostaria de ter'.
e mais: estou certo que muitos destes voluntários da tanzânia, gana, sudão, etc.., iriam decerto concordar contigo quando lhes explicasses tudo isto durante os últimos dias das suas vidas, ou durante os dias, semanas a fio que passam à espera dos caixotes com comida e medicamentos fora de prazo para eles e para os seus.
afinal, a conversar é que a gente se entende...
rvn,
O que está a tentar dizer-me é que há realidades/situações que só a um nível puramente conceptual é que têm justificação.
Mas eu concordo consigo: se eu tiver fome, que se lixe a metafísica! Melhor: mesmo sem fome, QUE SE LIXE A METAFÍSICA!
mifas,
proponho uma solução de compromisso: que se lixe a meta, vamos dar outra oportunidade à física.
de acordo?
rvn,
não prefere a química?!
rvn,
desculpe insistir mas... não prefere antes a química?!
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