Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


domingo, 25 de novembro de 2007

A loja da voz grossa

De repente foi o que foi. O português ficou destemido, inchou-lhe o peito e subiu-lhe o brio. E soltou-se-lhe a língua. Não me agarrem que é pior, segurem-me que eu vou-me a eles. Eu digo o que me apetecer e não tenho medo de ninguém. O Papa deve dar uma volta. Há muita incompetência na polícia. O governo quer meter os juizes no bolso. E agora? Querem o quê? Quantos são, hã, quantos são?

Pinto Monteiro abriu a loja e aviou logo uma saraivada séria para a mesa do canto, a do governo. Visão, tenha uma. Arrasou a lei que reduz os magistrados a funcionários públicos, opinou sobre o caso Maddie, sobre a Operação Furacão e, na passada, teve tempo sobejo para a Casa Pia. Caiu que nem ginjas, que a Asae não estava. Ainda a coisa marinava na loja quando entra em cena o Inspector Geral da Administração Interna. E que cena, meu Deus, mal deu tempo para um Expresso.


Muita intolerância e incompetência, foi o que o juiz desembargador Clemente Lima disse ter encontrado nas polícias, em dois anos de funções. E tiros a mais na GNR. O homem começou a disparar e fez sensação na loja logo às primeiras citações. "A autoridade não se defende a tiro", disse; e eu sentei-me para ouvir o resto. Que há polícias que não sabem lidar com os cidadãos. Que é preciso muito cuidado com esses agentes infiltrados que têm a mania que são da PJ e viram demasiados filmes de cowboys. Que há muita incompetência, muito mostrar de pistola e muito abuso nas nossas polícias, tudo isto dito por quem tem por missão fiscalizar as ditas. Toda a gente na loja esteve de acordo num ponto, pelo menos: este homem deve saber do que fala. E a maioria esteve de acordo com os outros todos.


Com as emoções ao rubro na política e com o futebol meio parado como assunto, agora que o Scolari avisou que não admite críticas, a loja ficou quieta por uns instantes, que o tópico que faltava não se discute por aqui. Religião não é assunto. É regra antiga da loja portuguesa, para evitar chatices. Mas eis que, para espanto de todos e alegria de muitos, entra o bispo da tropa, D. Januário Torgal Ferreira. E entra a matar, passe o termo, passo pesado e voz clara na primeira antena da rádio nacional. "A Igreja em Portugal é totalmente conservadora. Por que é que não se fala do desemprego, da violência contra as mulheres, das purgas contra as crianças, da pouca vergonha instalada na Justiça? Não tenhamos medo de dizê-lo: vejo pouca gente da Igreja a defender os direitos humanos. Há, mas pouca. A Igreja tem de dar uma volta. Também ele, o Papa, em muitas coisas deve dar uma volta."

Não se ouviu um pio na loja. D. Januário falou e disse, isto e muito mais, um rol de coisas que Maomé até poderia dizer do toucinho ou tavez não. Ninguém abriu o bico, não fosse o diabo tecê-las, mas quando o senhor bispo se calou houve alguns que se lembraram de D. Manuel Martins, ex-Bispo de Setúbal e da justiça nacional.

A malta cá na loja anda feliz, depois destes dias de animação. Tasquita habitualmente discreta e apagada, qualquer assunto deste calibre dá conversa para um mês, pelo menos, antes que a freguesia se esqueça e passe à frente. Com o Natal à porta vem o tempo das compras e dos regalos para amigos e família, que o povo pode sofrer todo o ano mas não perdoa a consoada ao perú. Este final de Novembro, em que só o sol anda tímido, ficará na memória curta da grande loja nacional como um tempo de voz grossa que até foi giro, sei lá. Três boas prendas, digo eu. Agora siga a dança mas baixinho, como dantes. Como sempre.

5 comentários:

Sabina disse...

Disse também D. Januário que não compreende porque é que o clero teima em viver em palácios e não os tranforma em orfanatos, bibliotecas, hospitais, enfim algo de útil.

Há uns 17 anos atrás, fui crismada por D. Januário (sim, que eu já fui uma menina de bem). E no final da cerimónia, D. Januário consegue gelar os familiares e convidados dos crismados porque teve a ousadia de pedir uma salva de palmas em plena Basiica de Mafra. Uma salva de palmas! Apesar do burburinho que isso causou, eu já na altura tive o discernimento de ver que este senhor era muito à frente do seu tempo.

E continua....

Anónimo disse...

O Januário é um tonto.
A Igreja não tem coragem para o correr de vez e vai-lhe aguentando as insolências.
Mas qualquer dia a coisa rebenta, vão ver.

Rui Vasco Neto disse...

saci,
d.januário é da velha escola do arcebispo de graga, d.eurico dias nogueira, que dizia mais palavrões por semana que cópias vai vender o rio das flores.
quanto ao facto de já ter sido, num passado distante, uma menina de bem, estou pronto a perdoar e esquecer. hoje estou assim. foi d.januário que me inspirou.

zénónimo,
pois, se diz.

Anónimo disse...

desculpa, se mal pergunte, por acaso viste por aí a oposição? Parece que desapareceu há uns tempos, tantos que já ninguém precisa dela. Pelas últimas bocas lá na loja andavam por aí dois tipos bem apessoados a discutir riscas de gravatas e qual se senta onde e para dizer o quê, mas o Ti Xico garantiu que a esses já os conhece e que pela saudinha dos netos não eram a tal de oposição coisa nenhuma.
Não sei porque me terei lembrado disto agora, mas parece que não fazem falta nenhuma que ainda ontem o Pinto e o Clemente iam aqui a descer a rua e tão satisfeitos que até há quem jure que os ouviu cantar. Era uma musiqueta qualquer com uns versos esquisitos, qualquer coisa como "se outros calam cantemos nós"... e já havia mais uns quantos a baterem o pezinho e a fazer coro. Até o Sr. Bispo dos magalas se juntou à festa e parece que não falta muito para o arraial estar montado. Não sei se é os outros senhores conseguem escolher a tempo as riscas das gravatas a usar na ocasião.

Anónimo disse...

Com o Pinto pia tudo fininho, ora!