
Vesti-me depressa. Evitei aborrecer-me com aquela rapariguinha nova, nunca sei como elas se chamam, aquela que agora me calça os sapatos em vez do Sebastião, que anda adoentado das costas e custa a dobrar-se de manhã. Os meus pés ressentem-se, é certo. A diferença é enorme, para bem pior, entre o trabalho de uma e o do outro. Ela até é gira, tem maminhas e ele não, mas sinto-lhe a falta, coitado. Comentei isso mesmo, hoje, com a Fanny e com a Melissa, enquanto me vestiam a camisa. Estava tão distraído na conversa que eu próprio dei o nó da gravata, só espero que a Locas não tenha ficado aborrecida.
Adoro conduzir de manhã no primeiro de janeiro. Não se vê vivalma, é uma paz, o mundo inteiro só para nós. Acreditam que nem um pássaro se cruzou comigo desde que saí de casa até chegar ao Gigi? Aterrei sem problemas, graças a Deus. Mais cinco minutos e tinha havido chatice com o helicóptero do Damásio, que chegou logo a seguir com a Margarida. Mas vá lá. Acabámos por almoçar todos em grande galhofa, como é tradição em todos os dias um de Janeiro. E dissemos mal de toda a gente como é tradição em todos os dias do ano. Fumámos, claro, olha se não, era o que mais faltava, então...?! Embora ache muito bem que o povo seja obrigado a cumprir a nova lei. É para o bem de todos lá, no fundo. E para o bem de todos, lá no fundo.
A tarde foi passada no Bridge, como é tradição no nosso grupo. Escapei-me uma mei'horita para fazer amor, outra tradição que sigo à risca todos os dias um de Janeiro. Voltei à mesa só para recolher os ganhos e despedir-me de todos. E voei para casa. Agora não há tempo a perder. Tenho à justa o necessário para tomar um banho de sais. E mesmo assim não me posso distrair na conversa com a Leila da esponja amarela, nem perder-me em marotices com o resto das miúdas dos sais. È tomar banho e andar, rapidinho que são quase horas de chegarem os primeiros convidados para a festa e a criadagem não passa sem orientação superior. Não vos disse ainda? Ai, esta minha cabeça! Perdoem-me, é a excitação. Todos os anos, no primeiro de Janeiro, eu recebo uns amiguinhos e amiguinhas para uma grande festa nos jardins aqui da mansão, um fórròbódò que dura até de manhã, vem a Carolina ex, o Santana Lopes, malta da bola, a Lili eterna e o Carlos Castro. E sai sempre na VIP e na Caras. É a tradição.
Este ano escolhi o Jardim Tropical porque lá sempre se está mais abrigado e fica só três alamedas abaixo do Jardim das Flores, onde fizemos a festa do ano passado. O sítio é lindíssimo, tem uma fonte que é um urinol de anjinhos ou assim, com umas pilinhas muito giras, pequeninas, uma maravilha de antiguidade que comprei em Itália há muitos anos e que agora deve valer para cima de uma fortuna, ou mais. E depois é tudo gente que é da casa, praticamente, uma coisa muito íntima, reservada, nunca mais de quinhentas pessoas, nunca, nunca. E é sempre jantar volante, tudo de pé junto ao lago, espalhados pelas margens, tudo iluminado, é tão bonito... Faço absoluta questão que sejam jantares volantes, sempre, todos os anos. Detesto aqueles longos jantares convencionais nesses dias um de Janeiro em que faço amor. É também uma questão de tradição, claro, mas não só, confesso. Por melhor que seja a companhia à mesa nesses dias, dói-me sempre um bocadinho ainda, da tarde. Custa-me estar sentado tanto tempo.
Esta noite quero deitar-me cedo, está prometido a mim mesmo. Afinal, um homem tem que descansar. A vida são dois dias e está cada vez mais difícil para todos. E a tradição também já não é o que era, digam lá o que disserem. Mas viva dois mil e oito, pronto.
7 comentários:
Estou mais triste que a cegonha no dia do referendo sobre o aborto, mas este ano não posso comparecer na sua festa, rico!
Os parvalhões da equipa de bordo do meu Falcon (piloto incluído) lembraram-se de ter uma virose, coisa de pobres, aqui em New York...
(Nem sonham ainda o quanto estão despedidos!...)
Fica para o verão, tá?
Olha outro que também acha que é má sorte não ter sido puta....
(é muito grande para pôr aqui, mas podes ver no sítio do costume, onde já foste de certeza mas não deixaste rasto.... - http://cabradeservico.blogspot.com/2007/12/m-sorte-no-ter-sido-puta_5570.html)
sam,
'mais triste que a cegonhe em dia de referendo sobre o aborto' é do melhorzinho que eu já ouvi este ano; só começou hoje, é certo, mas pensa bem a quantidade destas e de outras que vamos parir daqui para a frente, e diz-me se pelo menos isso não alegra a cegonha...
cabra fina,
'Como se sabe, e por inerência de funções, puta que se preze tem contas pagas, salário garantido e cartão de crédito com um plafond mais elástico que as ligas das meias.'
Não é o meu caso, que tenho posses. Temos pena. Mas adorei o seu texto. Adorei mesmo. Achei um belo objectivo para 2008, somos tudo o que quisermos ser, como sabe.
E sempre que quiser cabrear, já sabe: não hesite em avisar, como hoje. Com link ou com o próprio texto, mi casa está ao dispor para todos (enfim..) os seus avisos.
"dia um de Janeiro em que faço amor" parece-me uma frase digna de registo....
Pena que eu não fui convidada...para a festa, entenda-se ;-)
saci,
Permita-me a correcção: "esses dias um de janeiro em que faço amor" foi o que eu escrevi. Faz toda a diferença, na circunstância. Um mundo de diferença. Se não fosse assim seria como a velha história do padre que pergunta à sua assembleia 'quem faz amor uma vez por semana?' e levantam-se 50 pessoas; 'quem faz amor uma vez por mês?' e levantam-se quatro, cinco pessoas, até que a pergunta é 'quem faz amor uma vez por ano?'. Aí levanta-se um homem aos gritos 'sou eu, sou eu, sou eu!!'. O padre pede calma e quer saber porquê a gritaria. 'Porque é hoje, é hoje, é hoje!!', responde o homem. Que era eu, claro.
Quer um convite para a próxima festa?
Peço desculpa pela minha versão resumida, quase redutora da história.
Com certeza que sim, que quero um convite para a próxima festa. Pena é que só seja no próximo 1 de janeiro....
saci,
o tempo é uma coisa muito relativa.
e as datas também.
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