Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


domingo, 18 de novembro de 2007

A coutada do macho saudita

Há um não sei quê de saudita em cada macho que é macho, ibérico ou não. Esta coisa das 'nossas' mulheres terem vida própria sem a avisada consultadoria da nossa decisão dá umas valentes alergias de pele à gestão musculada do universo humano, que até se disfarçam, mas com alguma dificuldade, entre os que se dão a esse trabalho. Tal e qual como a homossexualidade, essa 'doença com recuperação em 30% dos casos', como ainda recentemente dizia à 'Visão' a Dra. Margarida Cordo, terapeuta familiar e perita credenciada em reabilitação psicossocial. De preconceito em preconceito, o mundo pula e avança colorido mas pouco, que as ideias continuam com pouco arejo quando o assunto desce da cintura.

Esta semana foi notícia a decisão do tribunal de Qatif, Arábia Saudita, sobre o caso de uma jovem xiita de 19 anos que foi violada catorze vezes catorze, por sete homens sete, condenados a penas entre um ano um, e cinco anos cinco de cadeia. Por se encontrar na companhia de um homem que não era seu familiar directo, quando foi arrancada do carro para ser violada, a vítima recebeu ela própria, ao tempo, a condenação de 90 chicotadas. Agora o tribunal que apreciou o recurso interposto pela jovem ditou a sua sentença. O dobro dos anos de prisão para os violadores, para castigo. E 200 chicotadas em vez das originais 90 para a violada, mais seis meses de prisão, tudo para aprender a não ser queixinhas.


Aqui há uns anitos, em 1989, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português fez mais furor que jurisprudência nesta terra não saudita. Era um caso de violação, dois rapagões algarvios que tinham dado boleia a duas raparigas jugoslavas e que, pelo caminho, fizeram uma paragem para o que mal se imagina. As duas mulheres foram espancadas, arrastadas pelo chão e uma delas repetidamente violada. Julgado em primeira instância, o crime foi punido com um ano um de prisão por cada crime de sequestro e com três anos três pelo crime de violação, num total de quatro anos quatro de cadeia em cúmulo jurídico. Um castigo que, apresentado recurso, viria a ser considerado 'adequado' pelo STJ com base em argumentos verdadeiramente inesquecíveis. «Se é certo que se trata de crimes repugnantes que não têm qualquer justificação, a verdade é que, no caso concreto, as duas ofendidas muito contribuíram para a sua realização. As duas ofendidas, raparigas novas, mas mulheres feitas, não hesitaram em vir para a estrada pedir boleia a quem passava, em plena coutada do chamado ‘Macho Ibérico’», rezava o acórdão de 18/10/89, redigido pelo juiz relator Vasco Tinoco.

Passaram quase vinte anos. Ontem, o semanário SOL dava à estampa mais um capítulo de cuecas com sangue e pilas na boca de garotos, no interminável e horroroso escândalo que é, há anos sem conta, a miséria pia de Lisboa, esse esgoto onde impera o favor sexual como moeda de sobrevivência para os uns e/ou puro vício para os outros. Com o café da manhã, Portugal bebeu a história triste de dois adolescentes que receberam chocolates dos abusadores por se terem portado muito bem e tostas mistas e coca-cola da jornalista por se terem portado ainda melhor, com direito a bilhete manuscrito para publicação exclusiva e tudo. E chocolates também, está lá escrito.

Sedento de sangue, com toda a justeza mas sem nenhuma legitimidade, Portugal revociferou três vezes com cada linha, cada palavra dita e sub-entendida, cada impunidade encapotada que se vai adivinhando definitiva, pelo andar da carruagem. E na cabeça de todos nós, portugueses e pais e mães das nossas crianças, quatro ou cinco anos não são nada para os bibis que levam pela mão os nossos cordeiros para a matança. Só três anos leva já o processo em si, e a procissão ainda não chegou à Igreja nem nada que se pareça. Qual a pena que satisfará a justiça, o governo e o país, não obrigatoriamente por esta ordem, é o que está para se ver num futuro cada vez mais indeterminado.

Já na Arábia Saudita tudo é mais célere nessa fascinante relação que parece existir entre legisladores, magistrados e carrascos. Também esta semana, no tribunal de Medina, foi julgado um caso de abusos sobre rapazes, roubados e violados por outros rapazes. A sentença foi rápida para os cinco acusados de roubo de automóvel, assalto e violação homosexual. Dois deles foram condenados a penas de prisão entre os treze anos treze e os quinze anos quinze de prisão. Talvez para evitar repetições enfadonhas do número de anos de prisão nos textos de jornalistas portugueses, o tribunal de Medina sentenciou os outros três acusados à decapitação. Ponto final.

Digam o que disserem, cá ou lá, aqui ou ali, no sistema judicial ou no sistema condicionado da nossa educação, o buraco onde o macho que é macho mete e tira a sua masculinidade faz toda a diferença na grande doença social que ameaça a cabeça deste mundo que é o nosso; e cada vez mais o retrato acabado da coutada do macho saudita.

12 comentários:

Anónimo disse...

Não dou palpites. Só me apeteciam palavrões, e não é meu hábito. E ainda há gente neste país que pensa que foi uma maldade imensa terem os nossos reis e os de Castela e arredores corrido com a moirama. Pois é, coitados, eles tinham vindo para cá fazer um piquenique nas margens do Guadalete, os visigodos é que levaram isso a mal...

Anónimo disse...

... pois claro, se as descaradas estavam mesmo a pedi-las! E, se calhar, ainda iam de mini saia!

( hellooo..., espero que percebam a ironia, se não inda me arrisco a ser degolada! Também não seria grande dano, que isso de ter a cabeça por cima dos ombros pesa muito! ).

Sugestão para os exibicionistas : deixem-nos em paz; afinal, limitam-se a mostrar o único cérebro que têem! ( confesso que esta tem raízes noutra, não sei se me faço entender... ).

Rui Vasco Neto disse...

daniel,
pois, percebo-te.

mifas,
vou abrir a gabardine: presta atenção.

Anónimo disse...

rvn,

ih, t�o pouca massa cinzenta!

zazie disse...

bem, mas o conselheiro da Relação também disse que não se podia dar crédito a acusações de miúdos com a moral reduzida a cinzas...

E foi cá, num país sem essas barbáries.

samuel disse...

No fundo, como diria o "douto" juíz do caso Gisberta, tudo não passa de "brincadeiras que acabam mal".

Anónimo disse...

pai deixe la isso e venha descascar castanhas!!!!!

Rui Vasco Neto disse...

zazie,
será certo, mas nada muda ao raciocínio, né?
bom ver-te por aqui.

sam,
havemos de falar do caso gisberta.

francisca,
queres ir para a cama sem jantar?

Maria, Flor de Lotus disse...

Caro Rui :
É muito interessante o paralelo de situações que usou para chamar a atenção para a questão de fundo presente em todas estas histórias e que a ninguém deveria ser indiferente : a liberdade , designadamente, sexual, é um direito e um bem supremo a respeitar sobretudo quando estão em causa pessoas que por si sós não são ainda capazes de a defender.
Saudações
Maria

Anónimo disse...

Eu, no meu fraco entender, diria antes "as cou(i)tadas" das fémeas sauditas e do mundo inteiro. Macho que é macho(conheço isto de qualquer lado !) não abre a gabardine, tira mas é o chapéu ! Sem querer brincar com coisas que bastante me entristecem (fiquei triste ao ler este spot, sabes?), pegando no que a Mifá disse, onde tem o verdadeiro MACHO o cérebro, afinal ? Que mundo horrível este em que vivemos, saaaafaaa !!!

Sabina disse...

Não se consegue fazer um comentário inteligente face a tanta estupidez.

Anónimo disse...

Insaciável,
Por favor, não se iniba.