Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


segunda-feira, 7 de abril de 2008

O longo braço da Lei

Chamemos-lhe Zé, para facilitar as coisas. Pois estava lá o Zé na sua vidinha quando eis que lhe avança porta adentro um funcionário do Tribunal de Matosinhos com uma ordem de penhora em punho no valor total de 904,48 euros, referentes a 604,48 euros de uma multa não paga, (uma infracção cometida pelo Zé com uma mota de água), acrescidos de mais 300 euros de despesas judiciais. Uma conta calada com total de novecentos euros, números redondos que o Zé não teve, ou não quis ter para pagar a multa. E por isso ali estava aquele homem, funcionário do Tribunal de Matosinhos afecto à secção de serviço externo, para fazer o arresto dos bens do Zé a pedido do Ministério Público do Tribunal Marítimo de Lisboa, a instância competente para cobrar a multa, face ao local da transgressão.

E assim aconteceu, que o que tem que ser tem muita força, como é sabido. O processo de selecção dos bens até foi rápido, fez-se num instante e levou à apreensão de um televisor, uma pequena aparelhagem, um leitor de DVD e uma consola de jogos "playstation". Quatro aparelhitos, tudo o que havia. Todos considerados em "razoável estado de conservação", reza o auto da diligência. Mas houve um mas, uma pícula discrepância: é que o valor que foi atribuído a cada um dos objectos, uns modestos 100 euros cada, não chegou para cobrir o valor total da multa, aliás não chegou nem para tapar metade, sequer, para dizer a verdade. Ficaram a faltar 504,48 euros, para já, fora as alcavalas a juntar. Mas então pergunto eu: porquê só penhorar aquelas quatro coisitas? Com uma penhora pelas portas adentro, como diacho se salvou a mobília do Zé, o frigorífico, a mesa, os tachos e o fogão, o sofá da sala, sei lá? Sim, como, porquê?

Simples. Elementar, meu caro Watson. É que o Zé encontra-se neste momento a desfrutar da hospedagem do Estado português, a convite, com direito a cama, mesa e pijama lavado nas instalações da Cadeia de Custóias, em Matosinhos. Isso mesmo, está de cana o nosso Zé. É preso preventivo, no mesmo exacto local onde o executor da penhora foi buscar a TV, a aparelhagem, o DVD e a Playstation, perante o olhar embasbacado do sub-chefe do estabelecimento prisional de Custóias, que teve que autorizar a introdução do funcionário judicial na cela do detido. De resto, foi buscá-los mas não os trouxe, já que os objectos, apesar de penhorados, não chegaram a ser retirados ao executado, que continua, pelo menos para já, a poder utilizá-los. O Zé ficou assim como "fiel depositário" dos aparelhos, já que a lei lhe permite pagar a multa, o que levantaria a penhora. O que não pode é retirar as coisas do local onde estão, nem proceder à sua venda, recomenda o tribunal. O que também se compreende. Afinal, o nosso Zé é um dos presos preventivos no âmbito do processo relativo ao chamado "gang das carrinhas", um grupo de treze indivíduos acusados de se dedicarem a assaltos à mão armada a carrinhas de transporte de valores e ao roubo de automóveis de gama alta pelo método "carjacking". Gente boa, no fundo.

O caso está neste momento em julgamento na 3ª Vara do Tribunal de S. João Novo, no Porto, com a audição de várias testemunhas de acusação. E está longe de um desfecho, é cedo ainda para saber se o Zé vai manter a sua actual condição de pensão completa como castigo pelo seu curriculo de violência e roubo. Porque lá ver que o crime não compensa, isso ele já viu, decerto, agora que esteve a braços com esta dura ameaça de penhora na cela por delito aquático. Uma maroteira que lhe pode vir a custar o seu televisor, o rádio, o DVD, que diabo, a sua Playstation, horror supremo! Ponham-se por isso os olhos no Zé, que nem estando preso escapou ao longo braço da Lei. Aliás, nem foi preciso o braço, aqui; bastou uma mãozinha, mesmo encolhida, mas que procurou no sítio certo. Nos bolsos de dentro, quem diria.

2 comentários:

Anónimo disse...

Porra!

Anónimo disse...

Não há direito que tenham feito tal coisa a esse benfeitor da humanidade.