
Passaram-se os anos. Corriam os dias, não mais a passo, quando voltei a encontrar aquela figura inesquecível, sentada a olhar as voltas dos outros. Parada no tempo, perdida na vastidão dos horizontes tardiamente encontrados. Dizem-me que enlouqueceu, que perdeu o norte e com ele o contacto com qualquer realidade que não a sua. Tentei falar-lhe, busquei-lhe o olhar e nele um lampejo de reconhecimento, uma qualquer faísca que tivesse ficado da chama irresistível que por ali brilhou já, em dias que não esqueci. Mas nada feito. Os olhos espelhavam paz, é certo, mas uma paz sem alma, uma paz sem gente lá dentro. «Todos os dias ela se levanta para se sentar a ver a vida a passar», diz-me quem agora a vê todas as manhãs. Todos os dias, sem excepção. A vida continua, a salvação escasseia ainda entre aqueles que a procuram e o mundo gira como dantes, só com menos uma, nada mais. É a vida, dirão. Deve ser isso, com certeza. A vida, claro.
5 comentários:
História triste e muito bem escrita. Não sei porquê, mas fico com a nítida impressão que ainda é bem mais triste para quem a descreve e a comenta do que própriamente para a protaginista da própria história. Porque será que fiquei assim com esta sensação tão injusta?
Belo e profundo!Fiquei completamente presa no campo magnético deste magnífico post!
Aquele abraço,
Belo tributo para nenhuma e, ao mesmo tempo, para todas as mulheres!
Muito melhor que qualquer dia internacional da mulher!
Bravo, Vasquinho.
senhores,
estou sem palavras (coisa rara, como sabem). obrigado a todos.
Com certeza, obrigada, claro.
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