D. José Policarpo deu uma entrevista ao SOL que promete dar que falar. Nela o Cardeal de Lisboa é pai desta criança, entre outras: «As pessoas começam por esbarrar com as dificuldades e habituam-se à ideia de um só filho. Desde que se quebre o coeficiente de equilíbrio a sociedade fica aberta a ser ocupada por gente vinda do terror e vinda do Ocidente e do Oriente como diz o Evangelho. O que faz com que seja previsível que dentro de alguns anos as sociedades europeias percam a sua fisionomia do ponto de vista religioso, do ponto de vista comportamental, cultural. Como se sabe, já há sociedades europeias a braços com a multiculturalidade e com a dificuldade de harmonia entre as diversas procedências da população, de que por um lado precisamos.» Apetitoso, convenhamos. Não só pelo imponente conjunto de reflexões que glosam o tema da natalidade, mas também e sobretudo pelo recurso ao Evangelho como lastro para este balão largado no céu da multiculturalidade como um grande alerta de ameaça eminente.
Ao socorrer-se do Evangelho em busca de um aval de razão que lhe faltava nas palavras, D. José Policarpo não terá sido propriamente feliz, digo eu. Afinal, onde reza a Palavra que um tal de 'coeficiente de equilíbrio' tem que ser mantido na procriação do Homem? E essa 'gente vinda do terror', é digna da nossa caridosa aceitação cristã ou será merecedora do estigma de um justificado receio? D. José Policarpo não explicita a resposta a estas perguntas. Está preocupado com uma visão do apocalipse que resultará da quebra da natalidade em Portugal, com a sequente invasão de estrangeiros/infiéis que virão minar por dentro uma suposta harmonia do Ocidente. Daí a solução milagrosa que recomenda: «A Igreja defende a fecundidade responsável e generosa», garante. E não estará sozinho na convicção, basta recordar o recente apelo desesperado do Presidente da República: «Mas afinal o que é preciso para os portugueses fazerem mais bébés?». Vá lá, Cavaco não citou a Constituição como D. José Policarpo citou as Escrituras, a meu ver de forma pouco feliz, já que não vislumbro outro contexto para a tal gente "vinda do Ocidente e do Oriente como diz o Evangelho", que não seja o do episódio com o Centurião de Cafarnaúm que diz a Cristo: «Senhor, eu não sou digno que entres debaixo do meu tecto; mas dize uma só palavra e o meu servo será curado.» (...) Jesus ao ouvi-lo, admirou-Se e disse aos que O seguiam: «Em verdade vos digo: Não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé! Digo-vos que do Oriente e do Ocidente muitos virão sentar-se à mesa com Abraão, Isaac e Jacob no reino dos céus, ao passo que os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes» (Mt 8, 5-12). Não. Não me parece que tenha sido este o sentido que D. José Policarpo buscava na sua referência ao Evangelho.
Ao aceitar como "previsível que dentro de alguns anos as sociedades europeias percam a sua fisionomia do ponto de vista religioso, do ponto de vista comportamental, cultural", o Cardeal de Lisboa denuncia a escassez de confiança que lhe vai na alma quanto à capacidade evangelizadora da Igreja a que pertence. Numa análise extrema, revela mesmo a dimensão da sua fé nesse Cristo ressuscitado que é ponto de partida e chegada numa Igreja que proclamou a sua universalidade bem alto no Concílio Ecuménico Vaticano II.
Ao confessar temer pela continuidade de uma 'harmonia ocidental' que eu desconhecia existir, face à invasão da tal gente vinda do terror, D. José Policarpo despe dos seus medos o agasalho do recato e exibe-os à nação com intenção engatilhada. Só Deus saberá ao certo qual é essa intenção. Porque o que fica desta entrevista do Cardeal é duvidoso, no melhor dos adjectivos. Sendo que os mais intolerantes escolherão outro, pela certa: xenófobo. Um exagero, convenhamos.
7 comentários:
Embora sem grande conhecimento do meio, já que venho de uma educação protestante (abandonada ainda nos anos 60), tinha deste sr. Policarpo uma ideia muito mais "positiva"...
Estava tão errado!
Rui, não te sabia tão conhecedor das Escrituras e capaz de as interpretar tão correctamente como fizeste. (Não ponho nisto qualquer ironia, desculpa a confissão.)
Quanto à citação deslocada que D. José Policarpo fez, é inexplicável. É caso para espantar, ó Samuel, mas não para perder o crédito num homem de um grande equilíbrio intelectual e moral. E que disse coisas politicamente incorrectas, mas que todos, ou quase todos, pensamos. Eu não goataria de viver numa terra em que os estranhos dominassem. Vá lá, quem, depois de uma análise profunda de si mesmo, for capaz de atirar a primeira pedra, que o faça.
É igual a todos os outros. Como a Igreja Católica, que continua igual (se não pior) do que há 40 anos.
Com a eleição deste Papa perdeu uma óptima oportunidade de "fazer uma abertura", de se modernizar. Que a Igreja diz querer fazer. Mas que não é capaz....
Há uma "agravante" no que toca a este senhor. É de uma terrinha (Alvorninha) muito próxima de Caldas da Rainha..... basta conhecer aquelas mentalidades....
É grave.
Abreijos,
Maria (açoriana)
Achava q o nosso Cardeal era bem mais inteligente do que se tem vindo a revelar...
Estas declarações bastante infelizes de um destacado membro de uma Igreja que professa a boa-vontade entre os homens, parecem-me a coninuação de umas outras que resolveu botar cá para fora na época do Natal e passagem de ano.
E, parece-me, deve ter havido uma qualquer "ordem de serviço" entre os padres, porque ainda na semana passada ouvi o padre da minha paróquia dizer que quem estivesse com problemas de fé deveria fazer as malas e ir embora, que ele até ajudava a fazer as malas... E eu que pensava que os padres serviam para ajudar a ultrapassar os problemas de fé, fiquei deveras elucidada (quanto mais não seja porque até Cristo pôs a fé em causa)!
Enfim, com padres destes, só a fé nos salva!!
P.S. (atenção, não confudir com o partido político): gosto mais deste visual. *
Não considero que o Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo,faça parte da elite descerebrada da Igreja mas, depois do que li, questiono-me: não andará o D. Policarpo com os dedos metidos na "beata" errada?
Maria,
O seu coment�rio n�o foi "do lado esquerdo na vida", n�o o foi "em linha recta" e, muito menos, foi "na vertical" quando diz e passo a citar:
"h� uma "agravante" no que toca a este senhor. � de uma terrinha (Alvorninha) muito pr�xima de Caldas da Rainha...basta conhecer aquelas mentalidades..."
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