
Nos Açores Carlos César também disse coisas e algumas delas indiciaram igualmente preocupações administrativas. No final de uma audiência com o Presidente da República em Angra do Heroísmo, o Presidente do Governo Regional projectou essas preocupações para o próximo processo de revisão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores. “Espero que este Estatuto possa ser um elemento clarificador, no sentido de se pacificar e de se fazer uma pausa na polémica constitucional à volta das autonomias. Nós precisamos de, com clareza, conhecer as nossas competências e as competências dos órgãos da República, para que cada um possa fazer o melhor dentro do seu núcleo de competências suficientemente clarificado”, disse Carlos César.
Entre as duas notícias, ambas destaques de abertura na comunicação nacional, jaz todo o oceano de indiferença que separa Portugal Continental do Portugal Insular. Onde todas as esperanças morrem na praia. Acreditar que São Bento passa os dias a matutar nas tropelias de Alberto João ou que Belém não dorme de noite com as imagens da lava incandescente derramada sobre as vidas dos Picarotos, é o primeiro passo para derramar também una furtiva lacrima por conta da crença que amanhã tudo vai mudar no dia a dia dos não-eleitos que vão sobrevivendo nas Regiões Autónomas de César e Jardim. Os tais cujas esperanças, todas elas, morrem na praia dos olhares perdidos no horizonte da normalidade que os separa das vidas de Portugal e dos Portugueses."Somos herdeiros da maresia/que salga os olhos de olhar o mar /e temos rios de lava fria /que se recusam a desaguar", leu Victor Hugo Forjaz no mesmo chão e no mesmo instante da lágrima de Cavaco. Palavras açorianas, do poeta Emanuel Félix. O seu eco estará há muito esquecido quando amanhã, para a semana ou no mês que vem, o Presidente da República estiver a congratular o Rio Ave pela conquista de uma Taça, a comentar a intervenção da GNR na sexta demolição das barracas no Bairro da Miséria ou a congregar esforços político-partidários para qualquer uma das grandes questões nacionais. Que, reconheça-se, não passam pela realidade dos herdeiros da maresia, sejam os de César sejam os do jardim.

Que somos todos portugueses é um facto. Mas a cada um a sua herança, é outro facto sem discussão. E na verdade, alguns de nós têm avós que moram longe para burro, lá no meio do mar e fora de mão todos os dias, menos nos daquelas férias para mais tarde recordar. Ou quando é dia de Regiões Autónomas na primeira página da informação nacional, por abuso de poder ou visita do casal presidencial. Aí o país alastra de orgulho pátrio e o Telejornal abre das ilhas em directo. Que lindo, meu Deus, aquilo dos 'herdeiros da maresia'. Que salga os olhos de olhar o mar.
RVN
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