Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Eu moro aqui.

Tem qualquer coisa de bonito, enternecedor até, ver alguém ajudar um velhinho ou velhinha a atravessar uma rua. É um lindo gesto. É como se fosse mais uma moedinha no mealheiro da solidariedade social. Afinal, chegar a velho implica atravessar muita avenida, muita rua e muita viela sozinho, ao longo da vida. Portanto não é que a gente não seja capaz. Só estamos velhos. Fracos. Cansados. Desiludidos? Dizem que sim, não sei, ainda vou dispensando a ajuda nos atravessos. Mas acredito que a esmagadora maioria das vidas chegue a um determinado momento em que só lhe apetece parar no passeio e não dar mais um passo que seja. Só parar. Fechar os olhos. Paz. Finalmente.

Um estudo feito por um grupo da Faculdade de Medicina do Porto apurou que uma grande percentagem das pessoas idosas institucionalizadas, mesmo não sofrendo de doenças crónicas ou terminais, pensa frequentemente na morte e cerca de 50% admite a legalização da eutanásia. A conclusão é do Serviço de Biomédica e Ética Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e pode ler-se no DN de ontem. "Os dados apontam ainda para uma percentagem muito significativa de pessoas dispostas a aceitar o suicídio assistido. Uma atitude que pode decorrer de sentimentos de solidão e abandono dos idosos que se encontram em instituições", diz ainda o estudo, cujo objectivo foi "identificar a opinião dos portugueses com mais de 65 anos e sem doença terminal, sobre a eutanásia. Foram inquiridos 815 idosos institucionalizados em lares e residências de terceira idade no País, incluindo da Madeira e dos Açores e, segundo o responsável da investigação, a ideia era fazer uma análise sociológica e avaliação ética sobre a questão da eutanásia, bem como uma reflexão sobre as estratégias mais adequadas para prevenir a sua ocorrência". Rui Nunes salienta dois dados, um deles adquirido: há uma percentagem muito significativa de pessoas dispostas a aceitar o suicídio assistido. O outro também: "Falta perceber se isso reflecte uma vontade firme ou se é o resultado da solidão e do abandono que os leva a pensar na morte".

Tem qualquer coisa de bonito, enternecedor até, ver alguém ajudar um velhinho a atravessar uma rua. É um lindo gesto, mais uma moedinha no mealheiro da solidariedade social. Convém é ter uma certeza, primeiro. Saber se o velhinho quer de facto atravessar para o outro lado. E se ele está apenas parado, estagnado, cansado, sem querer dar mais um passo que seja? E se ele mora deste lado de cá da rua?

RVN




4 comentários:

Anónimo disse...

um belissimo texto!!!! de muita sensibilidade e bom senso...
parabens!!!!

lilás

Anónimo disse...

Gostei muito do que disse. E tambem da maneira como disse mas gostava de saber se já pensou o que é ser velho e andar a sofrer?

J.R.

Anónimo disse...

"Cuando la vida es muerte, la muerte es vida Y mi vida es Mi Propriedade Privada.
EUTANÁSIA PLEASE!

Rui Vasco Neto disse...

lilás:
obrigado e volte sempre!

j.rebordão:
Pensar o que é andar a sofrer é coisa que, vai-me desculpar, não creio possível. Não se pensa como é o sofrimento; sofre-se e pronto, aí a gente descobre o que é e como é. Tudo o mais são palpites. Mas entendo o seu ponto de vista. Não concordo nem discordo. Apenas reflicto. Obrigado pela visita.

anónimo:
que pena o anonimato para uma opinião tão firme. Mas obrigado na mesma. Olé e OK, pronto.

rvn