Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


domingo, 28 de outubro de 2007

O fado d' Amália

Esta senhora chama-se Amália Morgado. É juiza, ex-presidente do Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto e actualmente a exercer funções no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, para onde pediu transferência. Os motivos dessa transferência foram assunto de uma entrevista da juiza publicada no JN em Setembro passado e dizem respeito a alegados casos de corrupção supostamente ocorridos no âmbito do Ministério Público (MP) do Porto.

Foi Amália Morgado quem enviou uma participação ao procurador-geral da República, Pinto Monteiro, sobre factos que lhe suscitaram dúvidas no âmbito de um processo em que Carolina Salgado, ex-companheira do presidente do F. C. Porto, Pinto da Costa, acabaria por ser acusada pelo MP por autoria moral dos crimes de incêndio e de ofensa à integridade física grave qualificada.

Na entrevista, a magistrada teceu várias críticas a procedimentos do MP e da Polícia Judiciária, no que toca a escutas telefónicas, bem como a colegas juízes, sobre quem denunciou utilizarem formulários pré-existentes e completados por funcionários judiciais com os nomes dos arguidos, para terem menos trabalho na elaboração de despachos judiciais.
A directora do DIAP do Porto, Hortênsia Calçada, leu e enviou uma participação para o Conselho Superior de Magistratura sobre a entrevista. Para além disso, a denúncia de Amália Morgado está entre o conjunto de casos sob averiguação pela Procuradoria Geral da República, como as declarações da irmã de Carolina que comprometiam Maria José Morgado e um inspector da PJ encarregue da investigação Apito Dourado.
Amália Morgado já foi ouvida por um inspector judicial. Agora, três coisas podem acontecer. A denúncia assumida de uma juiza presidente do TIC sobre deficiências graves e corrupção no sistema judicial a que pertence pode resultar em inquérito ordenado pelo CSM. Ou pode resultar num processo disciplinar contra Amália Morgado por ter aberto a boca para além do desenho dos lábios.
Resta uma terceira hipótese aos superiores conselheiros de toda a magistratura. Podem mandar arquivar a denúncia, mais a denúncia da denúncia e mais os próprios factos, tudo por baixo de quatro camadas de jurisprudência pesquisada nas colectâneas, num desvio para canto a toque de calcanhar. E todos viveremos felizes para sempre. Aceitam-se apostas sobre o que vai acontecer.
RVN

6 comentários:

Anónimo disse...

meu caro, este processo está ferido pelo pecado original: "somos todos corruptíveis".
a justiça neste País anda com o semblante distraído...bem distraído!

Rui Vasco Neto disse...

caríssimo (a?):

mais que distraído eu diria carregado, o semblante da justiça portuguesa.
carregado de pesos mortos que vivem, e mais e pior: que se perpetuam no sistema tempo após tempo.
já dizia Mira Amaral «as pessoas têm uma certa razão nas suas desconfianças»...

rvn

Rui Vasco Neto disse...

caríssimo (a?):

mais que distraído eu diria carregado, o semblante da justiça portuguesa.
carregado de pesos mortos que vivem, e mais e pior: que se perpetuam no sistema tempo após tempo.
já dizia Mira Amaral «as pessoas têm uma certa razão nas suas desconfianças»...

rvn

Rui Vasco Neto disse...

olha: falei duas vezes?

Anónimo disse...

Falaste duas vezes, mas até o Padre António Vieira repetia frases ditas para lhes dar mais força. Entretanto, Portugal vai-se modernizando. Por que razão só nos Estados Unidos ou na Inglaterra um qualquer Caryl Chessman, uma Mónica Lewinsky, ou um ex-amante de Lady Di haveriam de fazer dinheiro com os seus maus comportamentos? Este é o caminho da civilização rumo à fortuna: assumir as indecências próprias. Ser bem comportado não costuma dar dinheiro.

Rui Vasco Neto disse...

Daniel:

É da praxe, meu amigo. O fado é miserável. Não nasceu no dinheiro e nunca deu dinheiro a ninguém.

rvn