Maddie McCann desapareceu há seis meses. Nunca escrevi uma linha sobre o assunto. Nem uma. Entendi que o mundo passaria muito bem sem mais uma opinião sobre este caso que tem já tanta opinião generalizada. Para além disso, para ser franco, não tenho uma que me satisfaça. É verdade. Não sei o que pensar do que vejo e ouço. De tanto especialista, tanto perito, nacional e estrangeiro, oficial e oficioso, português ou inglês, de tanta e tão horrorosa conjectura que me faz desejar que não venha a ser verdade a verdade que for.
No meio de um assunto tão sério dou por mim a ver e ouvir as bancadas de Heisel Park zangadas com Portugal. E a ver e ouvir a Polícia Judiciária portuguesa a dizer uma coisa e o contrário dessa coisa, dia sim dia não, durante meses e mais meses, quando o maior acerto do ignorante é saber estar calado. Leio os jornais, ouço a rádio, vejo a televisão. E sinto pena de ter o jornalismo cravado na alma, tantas vezes, que dava-me jeito ter nascido outra coisa qualquer nessas alturas.
Maddie McCann deixou de ter cheiro e textura, neste universo virtual. É natural que assim seja. Ninguém consegue não ganhar distância do factor humano de alguém que desapareceu e todos os dias é papel amarrotado no chão do Metro, ou imagem anterior à Floribela e interior do Você na TV. Como numa doença prolongada, a mente dos homens interiorizou o pior, pelo sim pelo não. E com a catástrofe em modo de processamento automático, a atenção de todos vira-se naturalmente para todos os outros aspectos da questão. Os mais suculentos primeiro, claro. E os pais, são culpados ou inocentes? E a polícia, agiu bem ou mal? E os ingleses, já viram o que dizem? E eles vão jantar e bebem oito garrafas de vinho? E a miúda não gritou, estaria drogada? Dizem que uma vizinha contou a uma amiga que tem um tio que é empregado de uma pastelaria onde vai um agente da judiciária que trabalha com uma senhora que chamada Luisa, ou Maria. E o que é que eu estava a dizer?
Toda a gente sabe, toda a gente ouviu dizer, toda a gente viu até aquilo que não havia para ver. Maddie é mais um nome, tão perto e tão distante de nós como Michael Jackson. E tão presente como Princesa Diana, na doçura da memória. As suas realidades enquanto pessoas estarão sempre muito aquém dos seus mitos enquanto nomes. É outro escalão, outro universo onde o sol é o ego de cada um.
Por entre a raiva e confusão que todo o espírito sente quando subitamente agredido pelo destino, Portugal e o mundo procuram desesperadamente um culpado porque desesperadamente não conseguem encontrar uma razão. Uma explicação para o que raio aconteceu. Ontem à noite, milhares e milhares de pessoas pararam as suas próprias vidas para assistirem a mais uma entrevista do casal McCann, numa busca ansiosa de uma lágrima em Kate, finalmente. Como quem até quer acreditar mas não consegue. Não sem lágrimas. Para servir com a entrevista, a SIC apresentou a opinião da pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, convidada especificamente para analisar as lágrimas de Kate ou a ausência delas. Eu pensei em Maddie e no triste fado português. Por uma lágrima tua, isso sim que alegria. Me deixaria matar.
6 comentários:
Lindo,lindo,lindo,... lindo final!
Rui, tu viajas do humor ao drama (acabo de ler-te no diálogo com o FV) de uma maneira magnífica. Mas nós somos assim mesmo. Hoje terá acontecido a dezenas, centenas, talvez milhares de crianças o mesmo que à menina inglesa. São números somente. Mas dêem-nos um nome, dêem-nos um rosto (branco, negro, mestiço, não importa), e logo virá, teimosa, essa lágrima. Pelo menos um nó na garganta.
Não consigo deixar um comentário. Por que será? (Tento só esta frase, para não gastar palavras.)
Ah, agora é que li! O proprietário tem de aprovar! Tens toda a razão, meu Caro Rui. (Portanto, a anterior e esta não precisam de figurar. Para eu não fazer figura de urso.)
Um abraço.
Daniel
Daniel:
Melhor que ler-te só mesmo conversar contigo. Espero poder ter esse prazer muito em breve (nada confirmado ainda).
Ler a sequência dos teus 3 comentários (aprovados semi-automaticamente por este processo que também a ti deixou ás aranhas..) mostra-nos duas coisitas, a saber:
- o processo mental que seguiste, um mimo d'aflição adoçada pela vontade férrea de cumprimentar um amigo;
- que os homens brilhantes também fazem figuras de urso.
Ora imagina se logo eu, catedátrico em figuras de urso e outras, ia resistir a publicar a tua, que por algum tempo me vai servir a ilusão que afinal sou mais 'normal' do que pensava...
vem mais vezes.
abraço-te
rvn
catedátrico? vem de cáteda? tri-cáteda?
ooops
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