Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


domingo, 3 de fevereiro de 2008

Canduras

Dizer que a coisa começou com Marinho Pinto é mangar com a gente, tenham paciência. Pois sim, não havia corrupção antes, nada naducha, logo não havia o que acusar, logo ninguém tinha necesidade de acusar ninguém até aparecer aquele desbocado em roda livre no trombone da denúncia nacional. E falamos da grande corrupção, claro, que nunca existiu. Porque se falarmos da pequena trafulhice - eu dou-te a ponte mas tu pagas portagem, toma lá casino ó assis, arbitra o jogo mal mas vê lá bem, dá cá projecto que eu assino por ti, tu ganhas aqui mas eu ali também, uma mão que lava as duas - enfim, cambalachos de somenos, essa então não só nunca existiu como nunca existirá, que o ser humano é incapaz dessas coisas. E o político, esse pilar, nem se imagina: jamé! Alvitrar tamanha monstruosidade justifica bem a indignação de qualquer primeiro ministro.

Só que os jornais falam, as televisões mostram, as rádios contam e a gente vê. Lá se vai o mito da incorruptibilidade. E lá vem a classe política para a ribalta da atenção nacional, neste jogo de vermelhinha em que o pagode nunca acerta na melhor de três, por mais que vote, embora julgue que não tira os olhos da jogada dos eleitos com o seu voto. E lá vêm as capas de jornal, as aberturas de noticiário, o escândalo servido com o jantar diário na mesa dos portugueses. Ora, quem escreve para viver acaba vivendo a escrever sempre mais do mesmo e com palavras gastas, ou feridas de intenção pessoal. Por isso fui buscar socorro para a ocasião. Às minhas palavras sobra inconsequência e falta legitimidade e competência para um juizo milimétrico de acerto. Mas Natália topava-os bem, mesmo ao tempo, que a Correia tinha olho para a rataria. Se não, atente-se nestas quadras publicadas em 1983 no Bisnau e reproduzidas em poema integral aqui, onde eu fui beber estas 'malvadas línguas que dão fel à fama'. Um mimo de actualidade. E não fui eu que disse, uff.

Malvadas línguas que dão fel à fama
Dizem que nestes lúdicos quadrantes,
Os políticos querem é ter mama.
Como não hão-de querer se são lactantes?

Onde os meninos de tudo são senhores
Forçoso é que da asneira haja fartura.
E se alguns deles são uns estupores.
É só por traquinice. É só candura.

4 comentários:

samuel disse...

Belo post!
A tua patrícia é grande!
Foi a minha primeira letrista oficial. Adorei cada minuto que passei com ela no "Botequim", mesmo os mais embaraçosos. Naquela idade, meses depois de gravar o primeiro disco, era um bocadito penoso ouvir a Natália dizer no seu delicado volume de voz, em pleno Botequim cheio, "ó Samuel, cante lá uma das nossas cantigas!"

Anónimo disse...

Belo post!
Sem dúvida.
Ela é enorme!!
abreijos,
Maria ( a açoriana, com "i" :)).

Cristina Gomes da Silva disse...

Clarividência que nos vai faltando.

Rui Vasco Neto disse...

sam,
boa memória. Era uma peça de canhão, Deus a tenha lá no panteão dos loucos, que não a vejo a querer estar em mais lado algum.(estás a vê-la aos gritos pelo Dórdio lá no céu?)

mariiiiia,
abreijos é fixe.

cris,
pois, mas eu ando a trabalhar nisso. mais cinco vidas e meto a Correia num chinelo, vai ver.