Há gente assim, com vidas que nunca mais acabam. Seres com a estranha capacidade de se reinventarem mesmo no disparate.
De renascerem sempre, após cada uma das muitas mortes que vão tendo em vida. Tolos, há outros que lhes invejam este castigo como se fora uma gracinha para entreter os amigos nas noites frias de inverno ou nas amenas cavaqueiras de verão. São os tolos quatro-estações, que por desconhecerem a primavera das ideias estão condenados ao outono da mediocridade para sempre.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Do portão da casa para dentro

Daniel, querido amigo. Enganaste-me, em privado. Dizes que mandas um 'poema com uma casa dentro' e envias-me um edifício poético com um poeta lá dentro. Resultado? Acendeste-me a saudade de casa. 'E a casa faz falta mesmo quando já não existe. Mesmo quando os seus telhados de vidro são frágeis como a saudade e inúteis como o remorso'. Não resisti, passei por lá só de fugida. Tem as cortinas corridas e as portadas fechadas, mas a porta está sempre no trinco para facilitar a visita. Trouxe-te este enfeite, estava por lá. Tem música própria, a meias com o Paulo Jorge Santos, guitarrista de eleição, e só foi editado há quatro anos. Mas tem uns bons vinte anos de escrito. Nunca mais me enganes.


Hoje, meu amor, esquece o meu nome
não me esperes mais que eu vou para a rua
beber, fugir de mim, gritar à Lua,
brincar de faz de conta até poder.

Hoje, eu digo a todos os meus medos
que em noites de festa eu sou perfeito
e deixo em casa as mágoas e os segredos
que pesam toneladas no meu peito.

Sinto um recado no ar:
"que os ventos da loucura te protejam,
que os sonhos sejam sonhos que se vejam,
que vidas pequeninas temos nós".

Sigo a voz que sopra aos meus ouvidos
os mais lindos versos que há memória
e deixo-me ir, no embalo dos sentidos,
sonhar dias de sol, noites de glória.

Sempre iguais, os dias continuam;
mal acaba a noite lá vou eu
dizer-te que a manhã escondeu a Lua
e a voz dos versos desapareceu,
o sonho que eu sonhava amanheceu,
e a minha fantasia adormeceu.

9 comentários:

Anónimo disse...

Que mais não fosse, só por esta tua reacção (visita à casa e recordação do poema) o meu arremedo valeu a pena.

Anónimo disse...

as mágoas também são como os tijolos. é só pousar o saco e seguir em frente.

Anónimo disse...

tout doucement...

Anónimo disse...

"para não ter de fechar-se

do lado de fora da casa,

do lado de fora da vida."

Anónimo disse...

quando a fechadura do portão está rebentada não é preciso pôr chaves nos bolsos das camisas.

Sabina disse...

Excelente!

Anónimo disse...

como sempre como d'antes

Anónimo disse...

nas arcas lá da casa todos temos pó, memórias e fantasias. eu tinha também isto, que alguém me deixou lá longe num agosto de 92, escrita não por mim, mas por mim e para mim, antes de eu sair de férias.

" Por pouco tempo fui-me embora, disse adeus
pus na partida falsa dôr para me aquecer
são só uns dias - mesmo assim vou-te esquecer
abrir os olhos sem ser para olhar os teus

Quero acordar sem o teu cheiro no meu cheiro
pensar por mim e nem ouvir a tua voz
olhar para trás e nem que leve um dia inteiro
vou ser só eu e decidir se existe "nós"

Quando voltar já quero a vida arrumada
a casa limpa e sem qualquer resto de ti
mas se puderes volta numa madrugada
só para saber se eu já me arrependi..."

Anónimo disse...

Li este poema com os dedos a saltar sobre as notas das palavras. (oxalá não me engane no solo a meio como de costume).
Abraço